segunda-feira, março 18, 2013

Inspiração ideológica - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 18/03

Na última década, a política externa brasileira se inclinou para o engajamento político, perdendo em pragmatismo e visão de longo prazo. O governo brasileiro fez a discutível opção pela afinidade ideológica. Daí surgiu a diplomacia companheira, eivada de saudosismo em relação ao mundo da Guerra Fria e do terceiro-mundismo, na companhia da Venezuela chavista, do Equador de Rafael Correa e da Bolívia de Evo Morales, seguidores do caudilho. Nos governos Lula, houve mesmo um arriscado flerte com o Irã nuclear e com a Líbia de Kadafi, numa pueril tentativa de afrontar os EUA.

Um dos grandes problemas da estratégia é brincar de gato e rato com a ainda maior potência e, principalmente, maior mercado consumidor do mundo. Pode-se argumentar que a China vem substituindo os EUA como grande parceiro comercial do Brasil e de grande parte dos países. Mas, em diplomacia e comércio exterior, em que um não vive sem o outro, é muito mais interessante a inclusão — ampliar áreas de interesse e mercados — que a exclusão. Em várias ocasiões — nacionalização de instalações da Petrobras na Bolívia, a difícil posição do governo brasileiro na crise de Honduras, por exemplo —, o apelo ideológico ficou à frente dos interesses nacionais.

O Brasil se opôs à ampliação do Nafta, tratado comercial entre EUA, Canadá e México, para abarcar toda a América Latina na Aliança de Livre Comércio das Américas (Alca), por considerações enviesadas. Preferiu apostar na Rodada de Doha, de abertura do comércio mundial, que se revelou infrutífera. O fracasso de Doha acelerou uma tendência que já se registrava para a assinatura de acordos comerciais bilaterais entre os países. O país não aderiu à tendência, embarcando numa linha de isolamento. Ao mesmo tempo, o Mercosul começou a fazer água, muito pelos problemas econômicos do principal do Brasil, a Argentina, cujo governo kirchnerista está intoxicado pelo chavismo. E os dois países expulsaram o Paraguai do bloco para permitir a inclusão da Venezuela de Chávez. Que sentido tem abrigar num bloco comercial uma nação inimiga do maior mercado consumidor do mundo, os EUA? A sensação de que o Brasil patina aumenta quando se vê que países em rápido desenvolvimento, como Chile, Peru, Colômbia e México, juntam forças na Aliança do Pacífico para estimular exportações. E quando os EUA, com aval do presidente Obama, e a União Europeia lançam as bases de um formidável acordo comercial. Enquanto isso, um tratado idêntico UE/Mercosul não sai do papel.

No início, o governo Dilma deu mostras de que corrigiria rumos, até se submeter ao bolivarianismo chavista. Houve agora um alento em reunião para discutir a reforma da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. O Brasil apoiava os bolivarianos, interessados em silenciar as denúncias da CIDH sobre atentados contra a liberdade de expressão nesses países. Mas, afinal, o governo brasileiro agiu com acerto e se colocou ao lado dos que defendem o trabalho da comissão. Ainda é cedo, porém, para apostar na volta da diplomacia aos trilhos.

Um comentário:

Luiz Barucke disse...

Só rindo. "Ideológico" é sempre outro. Como se fosse uma doença. O texto do Globo pinga ideologia, só que de outra estirpe.

O Brasil jamais se isolou, tampouco deu as costas para EUA ou Europa com a política externa a partir de Lula. Seguem sendo atores de primeira grandeza em nosso comércio internacional. O que fez foi alterar a política "de joelhos", adotada até então, com especial dedicação durante os anos 90. A política externa pós-Lula assumiu uma postura, correta a meu entender, de aproximação com países do sul, chamados em desenvolvimento, China, Índia, países africanos e árabes e, especialmente, adotou um política de aproximação com os vizinhos da América Latina.

Diga-se de passagem, ainda que jamais será reconhecido pelos ideólogos e defensores da natimorta ALCA, tal mudança na política externa foi crucial para manter o Brasil em pé a partir da eclosão da atual crise econômica, em 2008.

Agora, dizer que demos as coisas para EUA e Europa é no mínimo infantil. Negar a realidade. O Brasil não fechou portas. Abriu novas. E fez muito bem.