quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Paradoxos do pleno emprego - MARIA CLARA R. M. DO PRADO

Valor Econômico - 21/02

Muito tem sido escrito sobre o aparente paradoxo de uma economia que cresce à modesta taxa de 1% ao ano em situação de pleno emprego. O consumo das famílias mantém-se elevado em qualquer que seja o setor, mas o nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação brasileira não passa de 84,5%, segundo as informações coletadas pela última Sondagem Industrial da FGV-RJ/Ibre

Várias são as explicações. O aquecimento da demanda tem pressionado os salários em geral, mas o aumento do custo de mão de obra só pode ser absorvido pelo setor de serviços pela inexistência de competidores externos (trata-se, no jargão econômico, de um setor de não comercializáveis, significando que não pode ser importado, muito embora a importação de serviços já esteja pesando na balança comercial do país).

Pois bem, vamos imaginar que realmente o setor de serviços é imune aos efeitos da competição internacional, mas não pode haver dúvidas de que o mesmo não acontece na indústria de transformação, que produz tecidos, carros, sapatos, entre outros bens que estão dia e noite sujeitos à concorrência dos importados. Mesmo assim, e ainda considerando o efeito do real valorizado sobre os preços dos importados, fica difícil entender o motivo da paralisia que tem dominado o setor industrial desde 2010. Nem a acentuada queda dos juros no ano passado motivou investimentos naquele setor, hoje na faixa de 18% a 19% do Produto Interno Bruto (PIB), medida pela formação bruta de capital fixo.

Vai-se tateando, sem se saber muito bem que Brasil o governo tem em mente a médio e a longo prazos

Salários altos - o aumento nominal médio de mais de 10% em 2012 (4,3% em termos reais), ampliou ainda mais o custo da mão de obra na indústria observado nos últimos anos -, combinado com queda de produtividade do setor, redundam em elevado custo unitário do trabalho (CUT) e isso estaria espantando os industriais brasileiros. Preferem trabalhar a menor capacidade do que ampliar a produção, ainda que diante de um expandido consumo. Os altos salários (influenciados pelo setor de serviços) e a baixa taxa de produto por trabalhador empregado não compensariam o investimento: cada unidade produzida a mais entraria no mercado a preço tão alto que os brasileiros iriam preferir os produtos chineses!

Ali está um dos pulos do gato. Parte da história tem a ver com o impacto chinês. "Suponha que Marte de repente se prove produtivo e comece a comercializar com a Terra, o efeito seria o mesmo e os produtos mais intensivos em trabalho deixariam de ser produzidos aqui", compara o economista Edmar Bacha para a coluna.

É como se os "benefícios" do processo produtivo chinês, grosso modo, estivessem à mão para atender uma demanda que se expandiu à base da bonança que veio do setor externo com o aumento do investimento estrangeiro e a alta nos preços das commodities.

"Com a bonança externa, aumentou a demanda por trabalho, mas o preço da indústria está fixo e o setor, sufocado, perde concorrência, impedindo que a capacidade ociosa possa ser lucrativamente utilizada", comenta Bacha, minimizando o efeito do câmbio no processo. Ele sugere que se tome a realidade do pleno emprego no país como ponto de partida e, dada essa situação, acredita que não seja necessário ter muito crescimento do produto desde que haja continuidade na reposição do estoque de capital. O fator demográfico favorece, com o ingresso de nova mão de obra no mercado crescendo menos do que antes. Ou seja, a coisa começaria a ficar complicada se a taxa de investimento caísse abaixo da marca de 18% ao ano.

O raciocínio supõe que para além do pleno emprego não há pressão adicional no custo da mão de obra, uma vez que o nível de consumo já teria atingido o limite da capacidade de expansão. Mas há condições de equilíbrio que precisariam ser satisfeitas, como uma situação internacional que continue favorecendo o Brasil.

Fora isso, vai-se tateando, sem se saber muito bem que Brasil o governo tem em mente a médio e a longo prazos. Uma questão que precisa estar presente em qualquer estratégia é o encolhimento do setor industrial diante do setor de serviços, fato que não é brasileiro, mas mundial, e como lidar com a nova realidade.

Algumas pistas podem ser encontradas no amplo estudo realizado pela consultoria McKinsey, sob o titulo "Manufacturing in the future: the next era of global growth and innovation", de novembro de 2012. Há ali propostas de política econômica para um mundo que se fez diverso na globalização. O Brasil é listado como o quinto país em termos de menor participação do setor industrial no PIB, com 13%, empatando com a Índia. Está à frente do Reino Unido e França (com 10%) e Estados Unidos, onde a industria pesa 12% no PIB. Na Alemanha, a indústria tem peso de 19% no PIB e, na China, a participação é de 33%. O trabalho da McKinsey destaca que apenas 16% do PIB global é formado pelo setor industrial e, ainda, que o déficit comercial das economias mais avançadas com produtos intensivos em mão de obra chega a US$ 342 bilhões.

Dá para o Brasil recuperar o tempo perdido, desde que o governo consiga arrumar a casa e definir uma estratégia coerente. Felizmente, há pela frente a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Podem funcionar como tabua de salvação!

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