quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Os segredos de uma chaminé abandonada - FERNANDO REINACH

O Estado de S.Paulo - 28/02

Fiquei pensando: o que faria se tivesse de limpar uma chaminé abandonada, repleta de lixo? Por sorte quem tinha de limpar não era eu, mas um dos 450 cientistas amadores da Kingston Field Naturalists, de Ontário, Canada. Amante dos pássaros, Christopher Grooms, técnico de laboratório, sabia que muitas espécies de pássaros fazem seus ninhos em chaminés e foi investigar a história da chaminé antes de limpar seu conteúdo.

Foi fácil descobrir que a chaminé quadrada, com dezenas de metros de altura e um vão interno de 1,2 por 1,2 m não era utilizada desde 1928 e que seu orifício superior só havia sido tampado em 1992. Uma visita à biblioteca foi revelou que entre 1930 e 1940 e novamente em 1970 havia registros históricos da presença de uma população de andorinhões-migrantes (Chaetura pelagica) habitando a chaminé.

Ao coletar e examinar no microscópio uma amostra da pilha de 2 m de lixo no fundo da chaminé, Christopher descobriu que 99% eram exoesqueletos de insetos. Eram restos não digeridos das fezes dos pássaros que habitaram a chaminé entre 1928 e 1992. Será que, analisando cada camada de exoesqueletos, seria possível reconstituir a dieta dessas aves ao longo da segunda metade do século 20? Cientistas de seis especialidades se juntaram para fazer essa análise.

O primeiro passo foi cavar um túnel vertical no lixo, da parte inferior da chaminé ao topo da pilha. A superfície desse túnel passava por todas as camadas do lixo, da mais antiga (no fundo) à mais recente (no topo). A pilha de lixo foi fatiada horizontalmente, como um pão de forma. Mais de 200 amostras, cada uma com 1 centímetro de espessura, foram coletadas e enviadas aos diversos laboratórios envolvidos na pesquisa.

Primeiramente, os cientistas determinaram o ano em que cada amostra havia sido depositada na pilha. Para isso, analisaram a quantidade de césio-137. Antes de 1940, quando os EUA iniciaram as explosões de bombas nucleares na atmosfera, praticamente não existia césio-137 na atmosfera. Entre 1940 e 1963, quando esses testes foram interrompidos, a quantidade de césio-137 que contaminou o ambiente subiu e desceu diversas vezes, dependendo do número de bombas testadas. Os insetos devorados pelos pássaros durante esses anos ingeriram alimentos contaminados por césio radioativo, que permaneceu em seus exoesqueletos.

Analisando as camadas, os cientistas identificaram as depositadas a partir de 1940 e as depositadas nos anos subsequentes. Esse primeiro estudo permitiu datar o ano em que cada camada foi depositada. Em um segundo estudo, os cientistas analisaram a quantidade de DDT, inseticida usado de 1945 a 1963 - quando foi proibido. E descobriram que o DDT podia ser encontrado nas camadas de 1950, atingia um pico de concentração nas de 1955 e depois diminuía gradativamente até 1970. Estudar a quantidade de DDT permite averiguar se a presença do inseticida alterou as populações de insetos e a dieta dos pássaros.

Finalmente, o dado mais importante. Especialistas na identificação de insetos examinaram os exoesqueletos em cada camada, identificaram a que espécies pertenciam e fizeram um censo da frequência de cada tipo de inseto em cada fatia da pilha. Com isso, inferiram o que as aves da chaminé comiam a cada ano.

O resultado é espantoso. Antes da introdução do DDT (até 1950), elas comiam coleópteros (a família dos besouros). Dos exoesqueletos, 90% eram de coleópteros. Com o aumento da quantidade de DDT, os coleópteros passaram a representar cerca de 40% da dieta e os hemípteros (a família das joaninhas) subiram para até 80%. Essa tendência foi revertida entre 1970 e 1992.

Os coleópteros são mais ricos em calorias que os hemípteros. Essa mudança na dieta dos pássaros, forçada provavelmente pela ação preferencial do DTT sobre os coleópteros, sugeriu aos cientistas que, durante o período em que o DDT estava em uso, os pássaros tinham maior dificuldade de se alimentar. Isso foi comprovado ao ser medida a quantidade total de dejetos acumulados a cada ano. Logo após o pico de uso do DDT, a quantidade de fezes acumulada a cada ano caiu, indicando uma redução na quantidade de pássaros que utilizavam a chaminé.

Esse estudo é um dos primeiros a reconstituir a dieta de uma comunidade de pássaros de maneira consistente e fidedigna ao longo de toda a segunda metade do século 20. Ele comprova que a introdução do DDT realmente afetou a dieta desses pássaros, forçando os animais a se adaptarem a uma dieta mais pobre. Também reforça a ideia de que essa mudança forçada de dieta colaborou para a diminuição da população dos andorinhões-migrantes. Nada mau para um estudo que foi iniciado por um cientista amador encarregado de limpar chaminés.

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