sábado, fevereiro 16, 2013

Mais cultura, menos muamba - GUSTAVO CERBASI

REVISTA ÉPOCA

Há tempos o turismo de compras faz parte da rotina da parcela mais abastada da classe média brasileira, estimulado por nossa moeda valorizada. Os destinos favoritos são tradicionais centros turísticos dos Estados Unidos, principalmente Miami, Orlando e Nova York - cidades com oferta de vôos e passagens a preços competitivos.

É fácil entender a febre consumista. Impostos altos por aqui, escala de consumo maior lá fora, incapacidade da indústria brasileira de alcançar padrões internacionais de qualidade e limitações no contingente da Receita Federal para uma fiscalização eficaz fazem das compras uma escolha fácil.

Mas quem se habituou a voltar de malas abarrotadas tem trazido cada vez menos mercadorias do exterior. Comprar nos EUA já foi mais fácil e vantajoso do que é hoje. Há cinco anos, os outlets ofereciam descontos de mais de 70% em relação aos preços nos shopping centers de lá.

É fácil entender tamanho desconto. Na temporada, os produtos chegavam aos shoppings com preço cheio. Os americanos, ávidos consumistas, compravam as novas coleções. Quando mais nenhum nativo queria aquela moda, as sobras iam para os outlets, para satisfazer os turistas a preços menores. As sobras dos outlets iam para as lojas de pontas de estoque, onde as pechinchas eram maiores ainda.

A crise de 2008 transformou esse modelo consumista. Com o aumento do desemprego e a queda da renda, os americanos diminuíram o consumo nos shoppings. As sobras de coleções cresceram em volume, ao mesmo tempo que os lucros das marcas caíram.

Como consequência, os outlets continuam atraindo turistas, mas as promoções raramente trazem descontos maiores que 30% ou 40%. Os consumidores locais também passaram a consumir nos outlets. Quem viajou recentemente percebeu isso nos estacionamentos superlotados. Pela lei da oferta e da procura, onde há maior consumo, há maior preço.

Comprar lá ainda é muito mais barato do que aqui. Mas não é mais um ótimo negócio, quando se leva em consideração a alta dos preços das passagens e dos hotéis, causada, principalmente, pelo denso fluxo de brasileiros. Os supermercados de lá são bem mais baratos que os daqui, mas não é sensato viajar milhares de quilômetros para encher o carrinho. Os eletrônicos continuam uma pechincha, mas é neles que a Receita Federal concentra seu pente fino.

Há que ponderar se algumas centenas de reais economizados em roupas e eletrônicos justificam deixar as atrações culturais de lado. Talvez as viagens dos brasileiros já estejam trazendo na bagagem um pouco mais de cultura e menos muamba.


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