quinta-feira, fevereiro 14, 2013

Lavagem de dinheiro - RICARDO CAMARGO LIMA


O ESTADO DE S. PAULO - 14/02

Com a edição da nova lei de lavagem de dinheiro e o julgamento do mensalão, duas questões têm vindo à tona nas discussões dos homens de negócios. A primeira consiste em saber se o advogado está ou não inserido no rol das pessoas que têm a obrigação de comunicar operações que resultem na possível prática do crime de lavagem de dinheiro por seus clientes. A segunda, se em razão da hierarquia das corporações os administradores são automaticamente responsáveis criminais pelas condutas ilícitas de seus subordinados.

Nos últimos dias, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) editou resolução dispondo ser a obrigatoriedade da comunicação às autoridades apenas dos profissionais não submetidos a regulamentação de órgão próprio regulador. A notícia veio a reforçar o que já se defendia:o advogado não pode, em nenhuma hipótese, ser obrigado a delatar os seus clientes. Tanto é assim que,em outubro último, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu entrar com ação direta de inconstitucionalidade contra a nova lei, como intuito de obter a declaração do Supremo Tribunal Federal (STF) da não obrigatoriedade de comunicação às autoridades, no caso de o advogado saber ou suspeitar da prática do branqueamento de capitais por seus clientes. Com a resolução do Coaf, a posição da OAB ganhou força,uma vez que aquele órgão é diretamente interessado na apuração do crime de lavagem de dinheiro.

A questão continua controversa. Há quem entenda não ter o advogado,antes da propositura de uma ação penal, as mesmas garantias de sigilo que possui durante o processo. Essa proteção, portanto, não atingiria a fase das consultas.

No entanto, os direitos à presunção da inocência, à não autoincriminação, à ampla defesa são inerentes à pessoa humana. Mas somente se concretizam por meio do trabalho do advogado e das garantias que este tem de exercê-lo livremente. É o advogado quem está na linha de frente do combate ao poder estatal, com vista a garantir a efetivação dos direitos de seus clientes. É razoável, portanto, que as pessoas possam ao menos consultá- lo sem correr o risco de ver seus segredos comunicados às autoridades.

Por outro lado, entender que os advogados estão obrigados a denunciar seus clientes é submetê- los à violação de seu sigilo profissional, intrínseco à natureza do seu ofício.

A nova lei de lavagem deve ser analisada no contexto do ordenamento jurídico existente,que é de natureza democrática e abraça os direitos humanos. A lei máxima do País é a Constituição da República, garantidora do sigilo profissional do advogado. Abaixo dela vem a Convenção Americana de Direitos Humanos, que veda a autoincriminação, e, por fim, o Estatuto da Advocacia, lei federal da mesma estatura da lei de lavagem, só que com uma diferença fundamental: aquela é lei especial e, portanto, prevalece sobre esta, garantindo também o sigilo.

Por causa disso, a restrição do sigilo do advogado somente para a atuação processual,e não mais para a atividade de consultoria, não se justifica, por ser inconstitucional e ilegal.

A consulta, por vezes, antecede a atuação do profissional no processo. Como garantir, então, o direito de defesa e à não autoincriminação se o advogado não puder guardar o segredo de quem vem com eles e consultar? Instala-se aí um verdadeiro paradoxo.

Passa a haver clara ruptura na relação de confiança entre quem procura um defensor e este, a qual se presta unicamente a fortalecer o Estado de polícia almejado por aqueles que desrespeitam os direitos fundamentais da pessoa humana, sob o argumento do combate ao terrorismo e à criminalidade organizada. Seria um contrassenso exigir dos advogados que denunciassem seus clientes antes do processo e acreditar que estes permitiriam ser defendidos por seus alcaguetes...

A tentativa de enfraquecer os direitos dos cidadãos ante o Estado por meio da restrição da atividade dos advogados vem se acentuando como tendência nos últimos tempos. Entretanto, pelas razões expostas,a atividade de consultoria praticada por estes não está inserida no rol da nova lei de lavagem.

Por outro lado, tratando da responsabilidade penal dos administradores de empresas, é imperioso esclarecer que o indivíduo só pode ser punido se demonstrada a sua culpabilidade. Assim o determina a Constituição ao eleger como garantia fundamental o princípio da presunção da inocência e a necessidade do devido processo legal, amparado pela ampla defesa e pelo contraditório, para a condenação de qualquer pessoa no País. Da mesma forma, o Código Penal explicita que a pessoa que comete um crime será punida na medida de sua responsabilidade sobre ele. Para haver uma condenação, portanto, é fundamental a prova da participação do indivíduo no ato ilícito.

Isso faz com que a mera posição de superioridade hierárquica no seio de uma organização empresarial não seja suficiente para condenar ninguém. Claus Roxin - doutrinador que desenvolveu a teoria do domínio do fato, empregada recentemente pelo STF-afirmou em entrevista que" o mero ter que saber não basta",sendo absolutamente necessária a prova de que o superior efetivamente ordenou a conduta criminosa ao seu subordinado, sobre ela teve controle e sem a sua atuação o fato não teria ocorrido.

Mas isso ainda será objeto de muita discussão judicial.Até porque, ao se valer dessa teoria, o Supremo Tribunal pode ter-se equivocado,utilizando-se da responsabilização objetiva, absolutamente proibida na esfera penal pelo ordenamento jurídico.

Espera-se, por fim, que a Corte máxima do País julgue as questões suscitadas com fundamento nos direitos e garantias individuais, resguardando a integridade pessoal, patrimonial e profissional dos advogados e o direito fundamental do cidadão à ampla defesa, para preservar o Estado de Direito.

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