sábado, fevereiro 16, 2013

Diálogo de surdos - CELSO MING

O ESTADO DE S. PAULO - 16/08

É desconcertante que as 20 maiores autoridades econômicas e financeiras do mundo, de repente, entendam que a guerra cambial seja problema grave e que, no entanto, não reconheçam que estejam envolvidas nesse e em outros conflitos.

O assunto virou tão importante que atropelou a agenda do encontro de ministros de Finanças e presidentes dos bancos centrais do Grupo dos Vinte (G-20), que começou nesta sexta-feira e continua hoje, em Moscou. Mas nenhum desses senhores do mundo admite que esteja manipulando o câmbio. (Esta Coluna já desenvolveu o tema há dois dias, mas tem de voltar a ele pelos aspectos novos que traz.)
Apenas para relembrar, guerra cambial foi um termo criado em 2010 pelo ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega. Na ocasião, ele estava preocupado com o efeito sobre o câmbio do Brasil provocado pela ação do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), que vinha despejando (e continua a despejar) trilhões de dólares na economia, com o objetivo de reativar a atividade produtiva e o emprego.

Essa é uma política que descarrega boa parte da conta da crise sobre os vizinhos. Os mercados de câmbio ficam atolados em moeda estrangeira e se ajustam por meio da valorização das moedas nacionais (baixa do dólar). O resultado disso é o encarecimento do produto nacional em dólares e, portanto, a perda de capacidade de exportar.

No momento, a principal preocupação dos países ricos é o jogo do Banco do Japão (BoJ, banco central) que, por meio da troca maciça da moeda nacional por moeda estrangeira, provocou a desvalorização do iene de quase 20% desde o começo de outubro.

Diante do impacto da operação do BoJ, intensificada desde novembro, na última terça-feira as autoridades de Finanças das sete maiores potências do mundo (o G-7) já haviam sentido a necessidade de assinar um comunicado que condena a manipulação do câmbio. Mas as autoridades japonesas não só declararam que essa condenação não tinha a ver com elas, mas também que era a prova eloquente de que não vinham manipulando o câmbio. Nesta sexta, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, inocentou o governo do Japão: "O que o BoJ faz é política monetária e não política cambial".

O presidente do Fed, Ben Bernanke, mantém seu discurso. Há meses vem declarando que não é operador de câmbio. O que ele chama de afrouxamento quantitativo (quantitative easing) não passa de recursos de política monetária. Limita-se à compra de títulos, logo, à emissão de dólares, para reativar a economia. Nesta sexta ele repetiu em Moscou que essa política não prejudica outros países. Ao contrário, todos deveriam apoiá-la, afirmou Bernanke, porque deverá provocar a reativação da economia dos Estados Unidos - o que é do interesse de todos. E afirmou ainda mais: se algum país se sente prejudicado com ela - e aí vai uma paulada no ministro Mantega -, é consequência das opções de política econômica feitas por seu governo.

Há anos o governo dos Estados Unidos acusa a China de manter um câmbio artificialmente fixo e desvalorizado para favorecer suas exportações em detrimento das outras economias. Curiosamente, desta vez, não é a China que está mobilizando os dirigentes do G-7 e do G-20 contra essa guerra.

O presidente da França, François Hollande, é um dos que reclamam das consequências sobre a economia do seu país, provocadas pelas políticas cambiais dos Estados Unidos e do Japão. Mas o que ele quer não é propriamente o fim desse jogo. Deseja apenas que o Banco Central Europeu (BCE) sacuda sua inércia e também opere o câmbio para desvalorizar o euro e elevar a capacidade de exportação dos países da área.

Nesse diálogo de surdos, o G-20 pode até endurecer seu comunicado sobre o tema, que deve ser emitido hoje - como reivindicam os representantes do Brasil. Mas ninguém espere alguma mudança significativa na ação dos bancos centrais. Essa guerra tem tudo para continuar. Se não por outra razão, continua porque o fim do padrão ouro em 1971 destruiu a estabilidade entre as principais moedas e, de lá para cá, nada foi colocado em seu lugar. Aparentemente, somente a instituição de uma moeda única universal (ou um pequeno número delas) seria capaz de estabilizar o sistema monetário. Mas isso não está no horizonte de ninguém.


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