sexta-feira, fevereiro 15, 2013

Contas públicas - retrocesso plus - ALBERTO FURUGUEM

Valor Econômico - 15/02

Observando os malabarismos contábeis feitos pelo governo federal (Lula da Silva e Dilma Rousseff), nos últimos anos, caberia a pergunta: estamos voltando ao passado, em matéria de (falta de) transparências nas contas públicas? O problema atual nos parece mais preocupante pois, se há três ou quatro décadas a falta de transparência era resultante de um quadro institucional inadequado, agora ela resulta de atos deliberados do governo objetivando esconder a verdadeira situação. Na prática, o que se conseguiu foram matérias nos principais jornais do Brasil e do mundo, com sérios prejuízos para a credibilidade da economia brasileira. O custo será elevado, o benefício zero. Difícil entender a razão, portanto.

Nos anos que precederam a hiperinflação brasileira das décadas de 1980 e 1990 era realmente difícil saber a efetiva situação das finanças públicas brasileiras, já que havia verdadeira mistura entre as contas fiscais e as monetárias. Em consequência, as estatísticas referentes ao Tesouro Nacional costumavam mostrar saldos contábeis quase sempre superavitários. Não que o governo quisesse esconder a verdadeira situação das suas finanças. É que com as práticas contábeis então vigentes (sem qualquer intenção de maquiagem, é preciso que se diga) não era possível conhecer a real situação das contas públicas.

A dificuldade de leitura tinha origem no próprio quadro institucional confuso então em vigor. Valores substanciais de despesas (que deveriam ser computadas como fiscais), principalmente por conta dos elevados subsídios nas taxas de juros dos empréstimos do Banco do Brasil ao setor agrícola, simplesmente não constavam do orçamento federal. Tais despesas com subsídios eram financiadas pela então chamada "conta movimento" pela qual o Banco do Brasil sacava, praticamente sem limite, contra a conta do Tesouro Nacional no Banco Central. A conta do Tesouro Nacional era alimentada não somente pela arrecadação tributária, mas também pela ampla colocação de títulos da dívida pública, bem como pela emissão de moeda em ritmo cada vez mais acelerado.

Estamos reintroduzindo uma nova espécie daquela "conta movimento" que nos levou à hiperinflação

A dificuldade para se avaliar a verdadeira situação das contas públicas era tal que o presidente eleito, Tancredo Neves (1985), valeu-se de estudos realizados por consultores privados para inteirar-se da situação, já que os dados oficiais não permitiam conhecer a efetiva situação das finanças governamentais. Tancredo iria assumir consciente da necessidade de se praticar a austeridade, pois o grande desequilíbrio das contas públicas assim o recomendava. Lembre-se, a propósito, que a frase mais destacada, na área da economia, naquele que seria o discurso de posse de Tancredo Neves (lido por Sarney, em 15/3/85), dizia: "É proibido gastar".

Com a morte de Tancredo, seu vice, o presidente Sarney, não chegou a colocar em prática a austeridade fiscal. A austeridade nos gastos públicos tornara-se politicamente inviável, e a equipe econômica escolhida por Tancredo (liderada por Francisco Dornelles, como ministro da Fazenda) perdia espaço rapidamente. Em agosto daquele ano, a equipe econômica (ortodoxa, na avaliação de Roberto Campos) formada na expectativa de um suposto governo Tancredo era substituída pelos heterodoxos, liderados por Dilson Funaro.

A equipe de Funaro aceitava a ideia de que não havia déficit público a ser combatido. A nova orientação era a gastança pública, e a expansão do crédito, como forma de impulsionar o crescimento da economia. A inflação não teria origem nos desequilíbrios das contas públicas. O Tesouro Nacional seria superavitário, como apareciam nos dados contábeis (em razão das deficiências institucionais já mencionadas). A inflação seria puramente inercial, resultante da realimentação dos preços pela via da indexação generalizada.

A inflação de "hoje" poderia ser inteiramente explicada pela inflação de "ontem". Se a inflação era inteiramente inercial, um congelamento geral de preços poderia ser a solução. Daí o lançamento do Plano Cruzado, em fevereiro de 1986, pelo presidente Sarney, de congelamento geral dos preços, que gerou uma grande euforia consumista, que, entretanto, durou poucos meses. Não demorou, entretanto, a que os mesmos economistas, que haviam embarcado na tese da "inflação puramente inercial", se dessem conta de que o diagnóstico sobre as contas públicas estava equivocado. Havia, de fato, um grande déficit fiscal, que precisaria ser combatido. Tarde demais. Não havia espaço para a prática da austeridade fiscal no cenário político então vigente.

A aceleração alucinante da inflação, que permeou os governos Sarney, Collor e Itamar, ainda motivou o lançamento de muitos planos de estabilização, que fracassaram. A inflação somente viria a ser efetivamente controlada, com o lançamento do Plano Real (junho/1994) no governo Itamar (FHC no Ministério da Fazenda), quando se aplicou um "muito bem formulado" plano de desindexação, seguido pela prática de uma política macroeconômica ortodoxa.

O governo federal, agora, parece ter "descoberto" uma fonte "sem limites" de recursos, via expansão dos créditos do BNDES, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, respaldados, em última instância, pela emissão de títulos da dívida pública. Parece que estamos reintroduzindo no Brasil, uma nova espécie da "conta movimento" dos anos 1970/1980 que acabou por nos levar à hiperinflação.

Vimos que a falta de transparência nas contas públicas nos levou a grandes erros de formulação e execução de políticas econômicas, no passado. O aperfeiçoamento na forma de se apresentar as contas públicas brasileiras passou por um longo e penoso processo. É fundamental preservar a qualidade de apresentação das contas públicas. Do contrário, corremos o risco de nos perder novamente nos mares, às vezes turbulentos, da conjuntura econômica nacional e internacional.

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