sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Câmbio puxa-puxa - CELSO MING

O ESTADO DE S. PAULO - 22/02

O câmbio virou uma espécie de bala puxa-puxa que pode tomar a forma da mastigada de qualquer um.

Dirigentes da indústria brasileira, por exemplo, querem que a cotação da moeda estrangeira garanta competitividade aos negócios, não importando os efeitos sobre inflação, investimentos e comércio exterior. Foi o que disse nesta quinta-feira o diretor de Relações Internacionais da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca. Para ele, o câmbio não pode ficar abaixo de R$ 2,20 por dólar.

Embora não o reconheçam, os dirigentes do Banco Central do Brasil operam como se, ao menos temporariamente e até certo ponto, o câmbio tivesse de ser usado como âncora dos preços; deve ser instrumento de combate à inflação, independentemente do impacto sobre o setor produtivo. Tem, no momento, de ficar abaixo de R$ 2,00.

Alguns economistas brasileiros sugerem que a principal função do câmbio é assegurar o equilíbrio nas Contas Correntes (comércio exterior mais conta de serviços mais transferências unilaterais), para evitar a fuga de capitais. Que cotação reflete essa estabilidade é outra questão, mas não seria menos do que esses mesmos R$ 2,20 por dólar - como expôs em artigo recente o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira.

Outros analistas, como o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, lembram que o Brasil depende fortemente da entrada de capitais para investimento. É preciso haver certo déficit (não equilíbrio) nas Contas Correntes. Para assegurar o investimento externo, o câmbio deve ser relativamente valorizado, não o contrário. Inconvenientes sobre a indústria devem ser tratados com redução dos custos e com mais escala de produção.

Na semana passada, ministros de Finanças e presidentes dos bancos centrais do G-20 condenaram manipulações das cotações de câmbio destinadas a buscar alto desempenho das exportações em detrimento dos parceiros comerciais.

Os presidentes do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) e do Banco do Japão (BoJ, banco central) e dirigentes do Fundo Monetário Internacional advertiram que, enquanto não passar a crise global, o importante não é o câmbio, mas manter a política monetária (política de juros) solta o suficiente para obter a recuperação. Logo, os efeitos da desvalorização cambial, vista por muitos como manipulação, devem ser tolerados, ao menos por enquanto.

São pontos de vista e objetivos incompatíveis entre si. Mas o mais relevante não é essa incompatibilidade. É, sim, o entendimento das pessoas e dos governos de que sempre podem arrancar do câmbio as pretensões da política da hora. Mas os governos não têm toda essa força. Pode-se dizer que alguns têm mais e outros têm menos autonomia sobre o câmbio. Países emissores de moedas de reserva (Estados Unidos, área do euro, Inglaterra e Suíça), por exemplo, têm mais. Mas têm de compatibilizá-la com outros objetivos.

Também possuem alto grau de autonomia economias com alto nível de poupança interna (caso da China), que podem usá-la para comprar moeda estrangeira.

Há muito a avaliar a partir disso. O mais importante é ter mais humildade com essa coisa chamada câmbio. É, na maioria dos casos, o que mais falta.

CONFIRA

Ofensiva. Se foi combinado ou não é o que menos importa. O fato é que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo, tentaram reduzir nesta quinta-feira a expectativa de um eventual estouro da meta de inflação em 2013.

"Sem descontrole". Tanto Mantega como Carlos Hamilton enfatizaram que não há descontrole da inflação. Mantega avisou que, apesar da alta dos últimos meses, 2013 não terá inflação superior a 5,5%. Carlos Hamilton preferiu dizer que a inflação se manterá bastante alta no primeiro semestre, mas que recuará no segundo.

Baixa na credibilidade. A tentativa é agir sobre corações e mentes. O problema é que a credibilidade do governo e do Banco Central passa por uma fase de baixa.

Lá em cima. Aparentemente, nada será capaz de evitar uma inflação anual acima de 6% nos próximos quatro meses.

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