sábado, janeiro 12, 2013

Japão, a Grécia da Ásia - ANNE SEITH

O Estado de S.Paulo - 12/01


Durante anos, o governo japonês se manteve tomando dinheiro emprestado mais do que qualquer outro país


Os olhares do mundo financeiro estão voltados para a Grécia e para outras nações da zona do euro extremamente endividadas. Entretanto, a situação do Japão é ainda pior. O montante da dívida do país é imenso e não para de crescer, a ponto de o país precisar gastar 25% do orçamento somente para o seu serviço.

Hoje, Tóquio tornou-se uma meca permanente do consumo, e seus bairros parecem classificados de acordo com os mercados alvos. O distrito de Sugamo, por exemplo, é habitado predominantemente por pessoas idosas. As escadas rolantes da estação do metrô movimentam-se bem devagar, e as lojas do centro comercial de Jizo Dori oferecem artigos como bengalas, creme antienvelhecimento e chá contra dores nas juntas. Por outro lado, o bairro de Hurajuku vive numa agitação frenética, com os adoradores da moda maquiados para se parecerem com os personagens dos Mangá.

Entretanto, esse mundo de brilhos falsos não passa de uma ilusão.

Durante anos, a terceira maior economia do mundo se manteve, sem o menor remorso, tomando dinheiro emprestado mais do que qualquer outro país. Nas últimas décadas, os governos japoneses foram acumulando dívidas de cerca de US$ 14,6 trilhões, o que corresponde a 230% do Produto Interno Bruto, nível de endividamento muito superior aos 165% da Grécia.

Esses gastos desenfreados transformaram o Japão numa bomba relógio - e num exemplo que pode servir de lição para a Europa. O Japão, o país do milagre econômico do pós-guerra, nunca conseguiu se recuperar do colapso da bolsa e da crise imobiliária que convulsionou o país nos anos 90. O governo foi obrigado a ajudar os bancos; as seguradoras faliram. Desde então, as taxas de crescimento anuais têm sido frequentemente insignificantes e a receita com impostos não chega a cobrir a metade dos gastos governamentais. Na realidade, o país se encontra numa espiral inexorável de gastos deficitários.

O fato de essa tragédia desenrolar-se em relativo segredo pode ser atribuído a um fenômeno bizarro: contrariamente às economias carregadas de dívidas da zona do euro, o Japão continua não pagando juros sobre o que toma emprestado. Por exemplo, enquanto a Grécia teve de encarar juros de dois dígitos, os do Japão chegaram a apenas 0,75%.

A própria Alemanha, a economia mais saudável da zona do euro, paga mais.

Dinheiro sem fim. O motivo é simples: ao contrário dos países da zona do euro, em geral o Japão toma emprestado do próprio povo. Bancos e seguradoras nacionais adquiriram 95% da dívida soberana do país usando depósitos de poupança da população em geral. Além disso, os japoneses estão aparentemente tão convencidos de que, um dia, o país conseguirá saldar sua dívida que continuam emprestando ao governo uma quantidade aparentemente infinita de dinheiro.

Os especialistas advertem que esse sistema não poderá continuar por muito tempo. Takatoshi Ito, professor de economia da Universidade de Tóquio, afirma que o Japão poderá se tornar a "próxima Grécia" se o governo não mudar de rumo. Ito e um colega calcularam que, mesmo que o povo japonês investisse todos os seus bens em títulos soberanos, só bastaria para cobrir os gastos oficiais por 12 anos.

Mas quem ajudará o Japão se o país chegar a esse ponto? "Se o Japão for obrigado a procurar investidores no exterior, uma crise da dívida será inevitável", afirma Jörg Krämer, principal economista do Commerzbank, segundo maior da Alemanha.

O homem encarregado de evitar esse desastre ocupa um escritório num edifício que parece uma fortaleza. As paredes do Banco do Japão, o banco central do país em Tóquio, são de pesadas pedras cinzentas decoradas com colunas possantes e frontões. Entretanto, a impressão de uma fortaleza inexpugnável é enganadora. O presidente do banco, Masaaki Shirakawa, de 63 anos - um homem magro com cabelos impecavelmente repartidos -, desistiu das políticas monetárias disciplinadas que seus colegas ocidentais pregam. Shirakawa mantém as máquinas de imprimir dinheiro funcionando para estimular a economia. Desde 2011, o banco lançou programas de emergência de aproximadamente 900 bilhões. Em comparação, os fundos de ajuda financiados pelos 17 países-membros da zona do euro somam apenas 700 bilhões.

Pesando cada palavra. Há algum tempo, os bancos japoneses têm conseguido emprestar dinheiro do banco central a juros perto de zero. Com essa estratégia, Shirakawa faz exatamente o que vários políticos europeus - e particularmente os países desprovidos de dinheiro do sul da Europa - vêm pedindo ao Banco Central Europeu (BCE) que faça: financia o governo. Ele desmente, e os métodos que usa são tortuosos. Entretanto, até o momento, sua estratégia não conseguiu ajudar muito.

"Neste momento, o efeito da nossa política monetária em termos de estímulo do crescimento econômico é muito limitado", admite Shirakawa. O dinheiro barato está parado nos bancos em lugar de fluir para a economia real. "O dinheiro está lá, a liquidez é abundante, os juros muito baixos - e, no entanto, as empresas não usam essas condições confortáveis", diz Shirakawa. "O retorno sobre os investimentos é excessivamente lento".

Shirakawa senta muito empertigado numa cadeira de couro preto com um encosto bem reto e as pernas cruzadas. Ele pesa cuidadosamente cada palavra. O presidente do banco central pretende aposentar-se dentro de poucos meses, mas por enquanto sofre fortes pressões. O governo do recém-eleito primeiro-ministro Shinzo Abe, conservador, deixou claro há poucos dias que espera que Shirakawa imprima ainda mais dinheiro.

O premiê lançou ontem um novo programa de estímulo econômico de US$ 114 bilhões, realimentando a economia japonesa com investimentos públicos no setor da construção. Ao mesmo tempo, Abe quer que Shirakawa injete um volume ilimitado de recursos na economia. Se o presidente do banco central não concordar com esses planos, Abe advertiu que está disposto a mudar a lei e a colocar o banco central sob o controle do governo. É uma ideia que os economistas não levam em consideração.

"Equivaleria ao motorista de um carro ir de encontro a uma parede e pisar fundo no freio antes do impacto", afirmou secamente o economista Krämer. Klaus-Jürgen Gern, especialista em Ásia no Instituto Kiel para a Economia Mundial, fala de "simples inépcia".

Presente eleitoral? Parece que o próprio Shirakawa não sabe qual seria a melhor resposta. Quatro dias depois da vitória eleitoral de Abe, o presidente do banco aparentemente cedeu e aumentou seu programa de compra de títulos soberanos e de papéis em mais 90 bilhões. Os observadores o descreveram como um presente de Natal para o autoritário vencedor das eleições. O dinheiro é apenas um meio que permitirá "ganhar tempo", diz Shirakawa. "Poderá aliviar o sofrimento. Mas o governo também precisa implementar reformas."

Pode ser, mas todos os esforços políticos que foram feitos nas últimas décadas para ativar a economia sobrecarregada de regulamentações falharam. A maneira de operar no setor varejista, por exemplo, tornou-se antiquada. A indústria não se mexeu durante muitas revoluções da Tecnologia da Informação porque o país procura "preservar todos os empregos possíveis por meio de uma exagerada regulamentação estatal", diz Martin Schulz, que trabalha desde 2000 no Instituto de Pesquisa da Fujitsu.

Aparentemente, Abe planeja até mesmo acabar com o plano do seu predecessor de aumentar o imposto sobre o valor agregado em vários estágios, de 5% para 10%.

'Um problema real'. Se isso acontecer, equivalerá a puxar uma carta do meio de um castelo de cartas. Todo o orçamento trimestral do governo atualmente se destina ao pagamento do serviço da dívida. Se Tóquio for obrigado a pagar juros mais elevados, sua montanha de dívidas crescerá ainda mais rapidamente.

Um outro "risco em potencial", é o "volume de títulos do governo japonês detido pelo setor bancário", como observa educadamente Shirakawa. Se os juros de longo prazo subirem consideravelmente, poderão afetar a estabilidade do setor. Isso, na pior das hipóteses, assinalaria o ponto no qual a crise poderia alastrar-se através das fronteiras.

Prever os possíveis efeitos da crise da dívida japonesa é extremamente difícil. Mas o pesquisador Schulz está convencido de que não haverá um "grande colapso". Ele acredita que, tendo em vista a autopreservação, é improvável que os grandes detentores de títulos da dívida japonesa, como os bancos nacionais, possam se livrar desses títulos rapidamente. Essa medida prejudicaria a confiança nos títulos da dívida japonesa e, por extensão, nos bancos que detêm esses títulos. Em vez disso, ele prevê "várias crises menores" nos próximos anos. Ele e outros economistas acreditam ainda que há muito espaço para elevar os impostos para neutralizar a situação.

Entretanto, adverte o economista Krämer, seria importante refletir um pouco sobre os perigos potenciais da crise da dívida japonesa. "O efeito psicológico poderia ser o mais perigoso", afirma. O que aconteceria, por exemplo, se os investidores de repente, perdessem a confiança em outros países enormemente endividados, como os EUA? "O Japão continua uma das maiores nações industrializadas do mundo, e o iene é uma divisa importante para as transações cambiais internacionais", afirma Gern, especialista em Ásia. "Se houver um descontrole geral, o mundo se deparará com um problema concreto". / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

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