quarta-feira, janeiro 16, 2013

Desaposentação e solidariedade - FERNANDO MACIEL

CORREIO BRAZILIENSE - 16/01


A Previdência Social brasileira foi criada e se mantém sob a égide de um sistema solidário, inclusivo e sustentável. Para que se tenha a noção de sua importância econômico-social, a cada mês o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) paga aproximadamente R$ 35 bilhões, relativos aos 30 milhões de benefícios previdenciários implementados por tempo de contribuição, idade avançada, doença, invalidez, morte, entre outras contingências sociais.

No debate acerca da sustentabilidade do regime previdenciário, surge a chamada desaposentação. Na prática, trata-se da revisão da aposentadoria daqueles que continuaram a trabalhar, a fim de aumentar a renda mensal com a consideração do período contribuído enquanto já aposentado. Várias ações nesse sentido aguardam a palavra final do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidirá ser ou não possível a renúncia à aposentadoria vigente, a incorporação do tempo contribuído enquanto aposentado, bem como a devolução dos valores recebidos até então.

A tese favorável à desaposentação possui, todavia, algumas inconsistências. Em uma primeira análise, deve-se ter em conta que a discussão não pode ter cunho meramente financeiro, no qual se preocupa tão somente com um benefício que seja mais favorável a um indivíduo, mas sim de entendimento do próprio sistema do seguro social.

A Previdência Social brasileira é regida pelo sistema de repartição simples, no qual cada segurado contribui não apenas para financiar o próprio benefício (característica dos regimes de capitalização), mas sim para compor um fundo social responsável pelo custeio de todos os benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Esse sistema de repartição simples, fundado na solidariedade social, justifica o recolhimento de contribuição social por parte dos aposentados.

Outro aspecto que merece melhor debate é a insegurança jurídica que a desaposentação pode gerar no sistema previdenciário brasileiro. Isso porque, ao se retirar o caráter da definitividade da prestação previdenciária, cria-se a possibilidade de o aposentado requerer a sua desaposentação infinitamente, toda vez que contribuísse após a jubilação. Vale ressaltar também que o segurado que reúne os requisitos para a obtenção da aposentadoria por contribuição faz uma opção financeira de sua inteira responsabilidade: requerer a aposentadoria ou continuar contribuindo para o sistema podendo obter um valor mais elevado de benefício.

Paralela às questões legais e de possível admissibilidade da desaposentação, há de se fazer uma estimativa dos custos que isso poderia acarretar à Previdência Social e ao próprio Estado. Estamos falando hoje de cerca de 500 mil brasileiros aposentados que trabalham e contribuem com a Previdência Social, sendo que, segundo cálculos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 70 mil aposentados já procuraram a Justiça para solicitar a desaposentação. Estudo do INSS estima que apenas no benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, 481.120 benefícios apontariam para um volume de recursos para custeio do regime previdenciário de quase R$ 50 bilhões. Isso se considerarmos apenas o cenário estático dos benefícios atuais, sem mencionar o impacto no comportamento dos futuros segurados.

Na seara social, há de se analisar que a admissão da desaposentação poderia acarretar a aposentadoria precoce, já que a data da mesma perderia sua importância, a resistência a sair do trabalho após a primeira aposentadoria e a consequente redução da oferta de postos de trabalho, e o aumento do número de aposentados buscando trabalho.

A pergunta que precisamos fazer é: em que medida a sociedade brasileira se beneficiaria com a desaposentação? Se a resposta não parece simples, mais fácil talvez seja se lembrar da nossa Constituição Federal e dos princípios sobre os quais foi construída a base de nossa democracia, notadamente o da solidariedade.

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