quinta-feira, janeiro 31, 2013

Além do fogo e da zona de conforto - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 31/01


Médica sugere um programa de verificação similar ao que existe para os laboratórios de análise


Ainda sobre a tragédia de Santa Maria, escreve Luisane Vieira, médica-patologista e, acima de tudo, "mãe de um baladeiro de 20 anos".

Sua carta envereda por um território raro, talvez inédito: em vez de críticas e acusações, uma proposta.

Tem ainda a humildade de admitir que "o intuito não é impedir os erros (os quais são inerentes às atividades humanas)", mas fornecer um arcabouço que torne menos arriscados os locais que frequentam os "baladeiros".

Escreve a médica: "Vou usar como exemplo a minha experiência profissional e pessoal com o Programa de Acreditação de Laboratórios Clínicos (PALC) da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial, no qual atuo desde o seu início há 12 anos".

"Apesar de termos hoje leis de 'primeiro mundo' para que os laboratórios de análises sejam seguros e de qualidade, é público e notório que se trata de um grupo muito heterogêneo de instituições e empresas públicas e privadas nas quais encontramos desde espeluncas perigosas e até fraudulentas até outras que poderiam figurar com destaque no sistema de saúde de qualquer país desenvolvido".

Observação minha: é razoável supor que as casas de espetáculo também se dividam entre espeluncas e seguras, tão seguras quanto é possível ser no ramo.

Volto à carta: "E o poder público também se mostra insuficiente e incompetente para a devida fiscalização e para garantir que problemas que afetam a qualidade das análises e a segurança dos pacientes sejam resolvidos. Após um grande escândalo no Rio no qual vários laboratórios examinaram guaraná como se fosse urina, a nossa sociedade partiu para a criação de um programa de acreditação, voluntário".

"Especialistas elaboram e revisam periodicamente normas de qualidade e segurança, de acordo com as melhores práticas, e elas são tornadas públicas. Os laboratórios que desejam cumprir estas normas passam por um processo de adequação, ao final do qual nossa sociedade envia auditores especialistas para a verificação in loco da adequação às normas propostas. Ao final deste processo, uma câmara confere ao laboratório o selo de acreditação, o qual o laboratório pode divulgar amplamente (desde que dentro da validade)".

"Periodicamente, as auditorias são repetidas para a confirmação do selo. Os custos do programa são cobertos pelas empresas participantes, mas não há finalidade lucrativa. Após um início bastante tímido, hoje nosso programa abrange os maiores laboratórios do país e cerca de 25% dos exames laboratoriais realizados no Brasil têm resultados emitidos por laboratórios que permitem nossas visitas com total transparência".

Não vejo nesse programa, simples e de sentido comum, nada que não possa ser copiado para o setor de casas de espetáculo (ou vários outros). Só exige que os proprietários e a própria sociedade se animem a sair da zona de conforto -e da dependência do sempre precário poder público- para atuar antes e não depois de uma tragédia.

PS - Dou ao leitor 15 dias de folga.

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