quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Vai graxa aí, doutor? - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 23/02/12


Deu no “Financial Times”. Estudo da Frontier Strategy Group mostra que um engraxate brasileiro imigrante em Nova York cobra lá 5 dólares, incluindo gorjeta, por seu serviço.
Já seu conterrâneo, em São Paulo, cobra a graxa do doutor por uns 6 dólares, mais gorjeta.

Turismo no Nordeste
Dilma está preocupada, com razão, com a privatização da TAP, que leva grande parte dos turistas europeus ao Nordeste.
Se alguma aviadora local quiser entrar no leilão pode contar com uma forcinha do BNDES. É só ligar no número do banco: (21) 2172-7447.

Poxa, Portela
A Portela, que emocionou a todos na Sapucaí, trata com desdém não só os artistas da velha-guarda como Noca da Portela, de 79 anos, que não desfilou magoado com a direção da escola.
Portelense, Diogo Nogueira, 30 anos, não foi convidado a desfilar.

Às lágrimas
Elba Ramalho chorou anteontem no carnaval de Recife.
Quando ela cantou a “Ciranda da rosa vermelha”, o público formou uma grande roda e dançou de mãos dadas, como pede a dança pernambucana.

Miúdos em Londres
O McDonald’s vai lançar uma promoção que pretende envolver um milhão de crianças de 8 a 14 anos num concurso, que levará cinco miúdos com acompanhantes aos Jogos de Londres.
A comitiva da criançada será comandada pelo ex-nadador Fernando Scherer, o Xuxa.

Café amargo
O café do carioca está 26,1% mais caro neste carnaval em relação ao do ano passado, diz a Fecomércio-RJ. Já a cerveja subiu apenas 4,9%.
Se fosse o contrário, haveria uma revolução.
Com todo respeito! 

Melhor não mexer
Tem gente no Palácio que acha que não vale a pena trocar o Paulo Sérgio Passos, dos Transportes, para satisfazer disputas partidárias.
O temor é substituir um técnico que não tem pendores políticos ou carisma por um político que possa dar problemas no futuro.

É que...
O lugar, como se sabe, mexe com muito dinheiro e empreiteiras, uma mistura que, não muito raro, sai cara para o meu, o seu, o nosso bolso.

Brasil clássico
Sérgio Roberto de Oliveira, compositor brasileiro de música clássica contemporânea, finalista do Grammy Latino em 2011, foi convidado para abrir a temporada de concertos de 2012 do Prelúdio 21, domingo, em Nova York, na Jans Huns Church.
Quintal do Pagodinho
A segunda edição do “Quintal do Pagodinho”, veja a capa ao lado, será lançada em CD/ DVD no final de março.
O projeto tem como objetivo dar “cara” aos compositores responsáveis por vários sucessos de Zeca, como Nelson Rufino, Zé Roberto, Toninho Geraes e Trio Calafrio.

Alô, Beltrame!
Quem mora perto da Rocinha está cada vez mais ouvindo falar que os bandidos estão voltando para a comunidade.

Niemeyer na Ilha
A União da Ilha já decidiu.
Em 2013, o homenageado será o arquiteto Oscar Niemeyer, de 104 anos.

Quem vem
Desembarca no Rio em março a atriz americana Reese Witherspoon. Vai lançar na cidade o filme “Guerra é guerra”.

Carro de ouro
Dona Inflação, realmente, adora Búzios.
Um estacionamento no Centro de Búzios estava cobrando R$ 50 no carnaval.

No mais...
A linda atriz Úrsula Corona postou em seu facebook que “tem vergonha” de Michel Ai Se Eu Te Pego Teló. Por que vergonha? Na música, há lugar para todos. Parece preconceito. E é.

Nordeste em alta - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 23/02/12



Temas nordestinos foram destaque em várias escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Políticos da região que mais cresce no Brasil se preparam agora para tentar entrar no grupo A, o dos presidenciáveis

Quem acompanha as escolas de samba do Rio de Janeiro não pode deixar de notar a gama de temas nordestinos incluídos no desfile do Grupo Especial este ano. Luiz Gonzaga, Jorge Amado, cordel, São Luís do Maranhão. O sambódromo, sempre dado a modismos, é uma demonstração de que o Nordeste está na moda. E a região saiu de lá campeã, com a vitória da Unidos da Tijuca, com o enredo O dia em que toda a realeza desembarcou na avenida para coroar o rei Luiz do Sertão. Resta saber se o Nordeste irá se segurar na crista da onda em todos os quesitos.

No quesito economia, as taxas de crescimento da região já foram maiores do que a registrada na reta final de 2011. Os 6% de crescimento de atividade econômica registrados em agosto chegaram a dezembro na faixa de 4,4%. Menor, mas bem acima da média nacional, de 2,7%. Os dados são do Banco Central. Em termos de salários, o rendimento médio dos trabalhadores também subiu de dezembro do ano passado para janeiro deste ano em Recife e em Salvador, capitais pesquisadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mas tudo isso, acreditam os políticos da região, está diretamente relacionado com os investimentos durante o governo do presidente Lula, a começar pelo Bolsa Família, que ajudou a movimentar a economia local. Depois, os incentivos, como as refinarias da Petrobras — uma em Pernambuco, terra natal do ex-presidente, outra no Maranhão, estado do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. As duas obras, entretanto, ainda não deram o ar da graça. Para completar, parte da construção dos canais de transposição das águas do São Francisco está atrasada, assim como a Transnordestina.

Por falar em obras…
Os políticos consideram que todas as vezes em que o investimento público cai, o Nordeste é o primeiro a sofrer as consequências. Talvez estejam certos. Afinal, a desaceleração na reta final de 2011 coincide com obras em ritmo mais lento. O desafio, entretanto, é sair desta dependência dos recursos da União e gerar sua própria receita. Para isso, a região precisa investir firme em industrialização, uma tarefa nada fácil, uma vez que São Paulo ainda continua sendo o motor nesse quesito.

O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, por exemplo, conseguiu no ano passado acertar a instalação de uma montadora da Fiat em território pernambucano. A obra já está em fase de terraplanagem. Como símbolo da mudança de patamar do estado, que, em 2010, cresceu com taxa de dois dígitos, a fábrica ficará num local onde há poucos anos existia um canavial. Com isso, Eduardo Campos tentará marcar no imaginário popular a mudança da escravidão dos canaviais à industrialização. Politicamente, o ganho é considerado certeiro até pelos mais experientes políticos do Sudeste, de onde saíram todos os presidenciáveis dos últimos tempos. (Lula, apesar de nordestino, cresceu na política em São Paulo).

Por falar em política…
A região hoje está repleta de nomes considerados de ponta. Além de Eduardo Campos, de Pernambuco, estão nesse rol Jaques Wagner, da Bahia, e Marcelo Déda, de Sergipe, ambos do PT. Além de Cid Gomes, do Ceará. Déda, por ser de um estado menor e de um partido que costuma dar preferência aos paulistas, está fora da lista de presidenciáveis. No caso do Ceará, a família Gomes teve a sua chance com Ciro. Mas, no caso de Jaques Wagner e de Eduardo Campos, há quem deposite fichas no mercado futuro da política.

Campos não perde uma onda boa, embora costume veranear numa praia tranquila. Ele torceu pela Unidos da Tijuca como ninguém. Agora, se prepara para surfar na vitória do enredo sobre o pernambucano Luiz Gonzaga — que, por sinal, também teve uma ajuda do estado. No próximo dia 3, sábado seguinte ao do desfile das campeãs, ele receberá o carnavalesco Paulo Barros em Recife, para lhe entregar a Ordem do Mérito dos Guararapes, comenda conferida aqueles que prestaram serviços a Pernambuco. Aparecerá ao lado do campeão como “pé quente”.

Eduardo Campos já se aliou a Gilberto Kassab, sua porta de entrada em São Paulo, e agora planta uma semente no Rio de Janeiro. Se vai dar certo, não se sabe. Mas que ele trabalha para ser candidato a presidente, ninguém tem mais dúvidas. Resta saber quando.

Hiper-realidade - CLAUDIA ANTUNES


FOLHA DE SP - 23/02/12


RIO DE JANEIRO - A polêmica desatada entre leitores da Folha pelo texto de Fernanda Torres crítico à Disney remete a um ensaio célebre do italiano Umberto Eco, em que o parque é analisado como ícone da hiper-realidade -tão perfeito em sua falsidade que toda experiência real parece sem graça.

Eco também aponta o consumismo subjacente ao cenário onírico (as lojas são bem verdadeiras, apesar das fachadas de brinquedo), e talvez seja por isso que eu, como Fernanda, resisti a levar meus filhos à Disney.

Minha primeira viagem em família ao exterior foi para a França, o que não deixa de mostrar, por sua vez, a visão idealizada de quem estudou a Revolução Francesa como marco maior das utopias contemporâneas.
Na Alta Provença, visitamos Moustiers Sainte-Marie, na encosta de uma montanha na região do rio Verdon. A cidadela medieval já viveu da produção de faiança. Hoje, a cerâmica esmaltada é comprada por turistas como lembrança da paisagem preservada para transportá-los ao passado.

As viagens a lazer, cuja massificação é fenômeno histórico recente, buscam a fuga do cotidiano. No fim das contas, nos EUA, na França ou no Vietnã, o que se espera no período curto de férias é uma amostra concentrada da imagem construída do destino -mesmo que, ao contrário da Disney, ele seja habitado por pessoas de verdade.

Desse ponto de vista, importa pouco se o Carnaval do Rio deixou de ser autêntico ou não. Como outros eventos explorados pela indústria turística, a festa carioca desdobra o real em vários níveis de fantasia, à escolha do freguês, e entrega o popular para deleite da classe média e dos ricos.
Se o turismo é uma das vocações econômicas óbvias da cidade maravilhosa, faltariam só, dizem os visitantes, uma invenção melhor do que os banheiros químicos e menos lixo nas ruas para chegarmos à perfeição.

Sean Penn contra Meryl Streep - CÉSAR FELÍCIO


Valor Econômico - 23/02/12


Na segunda-feira, o secretário de Defesa do Reino Unido, Philip Hammond, foi taxativo ao falar aos parlamentares na Câmara dos Comuns: a Argentina não representa uma ameaça séria do ponto de vista militar às ilhas Malvinas, ou Falklands. Como neste jogo de xadrez o Reino Unido joga com as pedras pretas, fica claro que a disputa pelas ilhas no Atlântico Sul podem ter muitos desdobramentos, e o bélico não é um deles.

A certeza de que não haverá guerra tem tornado a confrontação nas ilhas Malvinas uma alternativa tentadora tanto para o governo de David Cameron como para o de Cristina Fernández de Kirchner. Além do embate diplomático, factoides não faltaram de parte a parte: do envio do príncipe Harry para um treinamento militar à troca de um navio de guerra estacionado na região, do lado inglês, à transformação do ator Sean Penn em um protagonista na luta contra o colonialismo, do lado argentino, com direito a discorrer sobre o tema em uma declaração à imprensa ao lado do chanceler Hector Timerman.

Reino Unido e Argentina contam com dois governantes afeitos à retórica radical em meio a um contexto de dificuldades crescentes, em que a carta do nacionalismo é uma excelente forma de atenuar a resistência da opinião pública ao aprofundamento do modelo de Estado que cada um deles propõe. É uma cartada raramente usada na história do Brasil, um país sem disputas territoriais há mais de cem anos. O uso mais recente foi o do "Ame-o ou deixe-o", o slogan do qual o governo Médici lançou mão para insinuar que os exilados e banidos tinham menor sentimento patriótico.

Eleito com dificuldade em maio de 2010, o que obrigou a formar um governo de coalizão com o terceiro colocado, Cameron enfrentou um verdadeiro motim popular em Londres em agosto do ano passado. Tem respondido dobrando sua aposta conservadora: classificou a revolta social como "criminalidade pura e simples" e busca acelerar a implementação de sua agenda. No início do ano, comparou o sistema de saúde pública do país, talvez o mais abrangente e eficaz do mundo, como uma ave de rapina no pescoço dos empreendedores.

Cameron está pagando o preço de suas escolhas nas ruas. De acordo com a última pesquisa divulgada pelo "The Guardian", a aceitação de seu partido recuou de 40% para 36%, enquanto a dos trabalhistas subiu de 35% para 37%. É neste instante que recebe a ajuda de Cristina Kirchner. A ofensiva dos simbolismos argentinos para marcar os trinta anos da derrota militar latino-americana abriu uma oportunidade para Cameron incorporar um pouco da verve de Margaret Thatcher. Não com o brilho da atriz Meryl Streep, mas com a efeitos políticos análogos.

"Primeiros-ministros que são fracos em casa sonham em serem fortes fora. O fantasma de Thatcher paira sobre os conflitos. Nas Falklands, Maggie mostrou que ganhar glória militar rápida era infinitamente mais fácil do que resolver problemas domésticos", observou na semana passada Tony Parsons, colunista do tabloide inglês "Daily Mirror".

Reeleita em outubro com 54% dos votos, Cristina tem oferecido a seus eleitores um cardápio que passa por retirada de subsídios governamentais ao consumo, inflação em alta e desaceleração do crescimento econômico. A presidente necessita promover o ajuste para garantir que o país tenha caixa suficiente para impedir uma crise cambial, doa a quem doer. Implanta uma ortodoxia que passa por uma economia meticulosamente manietada por controles oficiais.

Não há pesquisas que mostram como anda a aceitação popular da presidente argentina, mas a reação acalorada dos ingleses à inócua decisão de dezembro do Mercosul de impedir que navios com bandeira da colônia atracassem em seus portos possibilitou a Cristina pela primeira vez em muito tempo falar em nome da nação e não da principal facção política do país.

No dia 8, ao denunciar formalmente na ONU o Reino Unido por promover uma escalada militar no Atlântico Sul, recebeu o apoio, entre outros, do líder do partido do principal candidato de oposição em 2015, o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri.

É duvidoso que a questão malvinense tenha para Cristina o poder galvanizador que teria dado uma sobrevida à ditadura em 1982, caso a Argentina tivesse ganho a guerra. Àquela época, a oposição ao general Galtieri embarcou na aventura. Hoje, os intelectuais afastados da Casa Rosada questionam não apenas a oportunidade, mas o mérito da polêmica.

"Não temos ainda uma crítica pública do apoio social à guerra, que mobilizou a quase todos os setores da sociedade argentina. Uma análise minimamente objetiva demonstra a brecha que existe entre a enormidade dos atos e a importância real da questão", assinalaram 17 intelectuais oposicionistas, como Beatriz Sarlo, Vicente Palermo, Juan José Sebrelli e Marcos Novaro, no documento "Malvinas: uma visão alternativa".

No texto, os intelectuais afirmam que o princípio de autodeterminação deve valer para os habitantes da ilha, britânicos em sua essência. "É necessário por fim hoje à contraditória exigência do governo argentino de abrir uma negociação bilateral que inclua o tema da soberania, ao mesmo tempo que se anuncia que a soberania argentina é inegociável", afirma o texto, que define o slogan "Las Malvinas son argentinas" como uma "afirmação obsessiva".

"Como membros de uma sociedade plural e diversa que tem na imigração sua fonte principal de integração populacional não consideramos ter direitos preferenciais que nos permitam sobrepor aos que vivem e trabalham nas Malvinas há várias gerações, muito antes que chegassem ao país alguns de nossos ancestrais".

A reclamação kirchnerista pelas Malvinas faz uso de um nacionalismo conveniente à medida em que não gera consequências diretas. Em relação a outras causas em que o nacionalismo poderia afetar a economia nacional, o governo argentino não hesita em favorecer o investimento externo, como ocorre atualmente na mineração. Há questionamentos em todas as províncias mineradoras à extração de minérios a céu aberto, feitas por empresas invariavelmente estrangeiras. A tendência dos governadores, todos alinhados à Casa Rosada, é de garantir o espaço para os empreendimentos seguirem adiante.

Resenha - JANIO DE FREITAS


FOLHA DE SP - 23/02/12

Monstros, por aqui, têm pouco de artificial nas figuras que animaram a Europa, o Oriente Médio e parte da Ásia

O MUNDO não brincou menos do que os brasileiros que fizeram seu Carnaval nos últimos dias, e farão ainda nos próximos. As razões e os elementos dos Carnavais, já pelas naturezas diferentes de quem brincou cá ou lá, são muito diferentes, é claro. Os monstros de papel amassado e plástico, por aqui, têm pouco de artificial nas figuras que animaram a Europa, o Oriente Médio e pedaços da Ásia.
Nem o Vaticano conteve em suas indumentárias e ambientações também esfuziantes a excitação e, digamos, a índole da verdadeira diversão das potências e adjacências.

Estivemos muito ocupados com o nosso Carnaval. Nem por isso a animação nas partes decisórias do mundo merece ficar em um hiato histórico, povoado no conhecimento dos prezados leitores apenas pelos brincalhões de cá. É verdade que, à força de peculiaridades do nosso jornalismo, vários feitos dos brincalhões lá de fora, paralelos ao nosso Carnaval, são novidades aqui, mas não criações de agora.

É o caso do carnaval político na Alemanha, naturalmente mal-humorado, que vem desde os meses finais do ano passado. E enquanto a Vai Vai e a Ivete Sangalo cantavam por aqui, a Alemanha chamava por um terceiro presidente em apenas dois anos. O quase moço Christian Wulff, ao fim de três meses de escândalo, caiu ao peso da corrupção. A sua. O antecessor, Horst Koehler, caíra sob outra modalidade de corrupção, germanicamente mais natural. Trocou soldados alemães como se fossem peças, e então mandados para o Afeganistão, por negócios comerciais com os governos humanitários dos Estados Unidos e da Inglaterra.

Os dois decaídos foram indicações da chanceler Angela Merkel para o cargo que diziam ser apenas cerimonial, mas vê-se que tem outras utilidades. Assim podemos deduzir o motivo da ininterrupta dedicação de Merkel a pôr-se no primeiro plano em questões internacionais e nacionais alheias: o destaque externo é eficiente meio, entre políticos europeus, de confundir-se com a imagem do país e ver-se poupado, por isso, da queda em casa.

Alemães só ofereceram, porém, animação local. Netanyahu, Obama e o inglês Cameron ocupam a avenida com uma disputa empolgante.

Não há indicação alguma do que o primeiro e os extremistas israelenses estão respondendo, na prática, aos apelos dos outros dois para que Israel não faça (agora) o "ataque preventivo" que planeja contra o Irã.
O pouco material que transparece a respeito, na melhor imprensa internacional, é um velho indicativo de gravidade, e não de dificuldades atenuadas. Destas, há sempre um governante para colher os frutos, apodrecidos que sejam.

Gravidade que recebe, agora mesmo, uma contribuição significativa, de vários pontos de vista. Os investigadores da Agência Internacional de Energia Atômica, em sua segunda inspeção no Irã neste ano, relatam a impossibilidade de examinar todas as áreas que pretendiam. Seria lógico iniciarem por informar que o exame das usinas e instalações identificadas não encontrou sinais de finalidade militar. A relevância foi dada, porém, à recusa iraniana de abrir bases militares aos investigadores.

Tal exigência não foi feita em outros países, entre os quais o uranizado Brasil quando movia a ambição de tornar-se, com a ajuda de Israel e a companhia da África do Sul, a primeira potência nuclear do hemisfério Sul. E no Irã ganha outra estranheza: ciente do risco de ser atacado, o país desenvolve armas modernas, mas não nucleares, que ficariam desvendadas para os investigadores estrangeiros nas bases militares. Se há armas nucleares, a AIEA deve buscar outros meios de prová-lo.

O Irã não poderia ver o Carnaval de fúrias homicidas sem entrar na avenida. Tratou de cortar o seu petróleo para o Reino Unido e a França, fazendo o preço ocidental do barril subir de imediato, e inverteu o jogo. Ataque preventivo? Pois então, avisa, essa tática passa a ser do Irã. Os americanos já sabiam. Daí grande parte do esforço de dissuadir Israel de provocar, com ameaças intensificadas, o desatino iraniano.
Nem "L'Osservatore Romano" aguenta mais: o papa Bento 16 "é um pastor rodeado de lobos". As batinas carmim não deixam notar, mas a ferina luta no Vaticano pelo trono do papa é tão violenta, que a própria segurança vital de Bento 16 é motivo de preocupações e de precauções. E ninguém precisa especular sobre tais assuntos: são fatos e já estão em jornal. Muitos, inclusive no jornal mesmo do Vaticano. Entre palavras piedosas, sem falta.

Brincando com aço, átomo, gás, explosivos, morte, à sua maneira os americanos, europeus e médio-orientais não se divertiram menos do que os carnavalescos brasileiros. Mas, não sabem de nada, com as mulheres vestidas de cima até embaixo.

Dinheiro do FGTS para fazer o superávit - RIBAMAR OLIVEIRA

VALOR ECONÔMICO - 23/02/12



O governo comunicou ao Congresso, por meio do relatório de avaliação de receitas e despesas de fevereiro, que não vai transferir para a Caixa Econômica Federal (CEF), neste ano, uma receita de R$ 2,96 bilhões relativa à multa adicional paga pelas empresas que demitem trabalhadores sem justa causa. Pela legislação em vigor, depois de repassados à CEF, esses recursos devem ser incorporados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
No relatório, o governo alega que "não há exigência legal do repasse imediato desses valores ao Fundo". A decisão de não transferir os recursos neste ano faz parte do ajuste fiscal anunciado na semana passada pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Miriam Belchior, que prevê corte de R$ 55 bilhões das dotações orçamentárias para o cumprimento da meta de superávit primário de 2012.
Em 2000, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o governo deveria pagar os expurgos feitos na correção monetária dos saldos do FGTS pelos planos econômicos Verão (janeiro de 1989) e Collor I (somente quanto ao mês de abril de 1990). A lei complementar 110, de 2001, criou duas contribuições para ajudar o governo a pagar essa conta.

Governo decide não repassar recursos para a Caixa
Uma das contribuições, que já foi extinta, previa um adicional de 0,5% sobre a remuneração devida a cada trabalhador, a ser paga pelos empregadores. A alíquota do FGTS passou, portanto, de 8% para 8,5% sobre o salário. Esse adicional de 0,5% valeu por 60 meses.
Outra contribuição, ainda em vigor, prevê uma multa adicional de 10% sobre o montante de todos os depósitos devidos do FGTS, durante a vigência do contrato, a ser paga pela empresa que demitir trabalhador sem justa causa. A lei complementar 110 determinou que as duas contribuições fossem recolhidas na rede arrecadadora e transferidas à Caixa Econômica Federal, sendo as respectivas receitas incorporadas ao FGTS.
Os depósitos normais do FGTS e as multas por demissão sem justa causa não passam pelo Orçamento da União. Os recursos arrecadados vão direto para as contas individuais dos trabalhadores inscritos no FGTS. Mas como tinham uma destinação específica, ou seja, cobrir a correção dos expurgos dos planos econômicos Verão e Collor I, o Congresso Nacional decidiu que as receitas das duas contribuições criadas deveriam passar pelo Orçamento.
Apenas para cumprir essa determinação legal, os recursos passaram a ser registrados no Orçamento na rubrica "complemento do FGTS". O valor da receita era igual ao da despesa, representada pelo repasse à CEF. Assim, o efeito fiscal é nulo.
Quem tiver a curiosidade de acessar a página da Secretaria do Tesouro Nacional na internet (www.tesouro.gov.br), terá uma surpresa. A primeira tabela do relatório sobre o resultado do Tesouro (pode-se pegar o relatório de qualquer mês) informa, em nota de rodapé, que a metodologia utilizada "não inclui receitas de contribuição do FGTS e despesas com o complemento da atualização monetária, conforme previsto na Lei Complementar nº 110/2001".
Do corte de R$ 55 bilhões nas dotações orçamentárias deste ano, R$ 35 bilhões foram feitos nas chamadas despesas discricionárias, aquelas que o governo pode gastar livremente, e R$ 20,5 bilhões resultaram de reestimativas das despesas obrigatórias. Nesse último caso, está a "despesa" com o repasse de R$ 2,96 bilhões das multas do FGTS para a CEF. Ou seja, o governo ficou com a receita e cancelou a despesa.
No relatório de avaliação, encaminhado na sexta-feira ao Congresso, o governo informa que "o desembolso do valor equivalente à arrecadação da contribuição devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa está sendo adiado, já que não há exigência legal do repasse imediato desses valores ao Fundo". Essa frase está no item 26 do relatório. O governo não informou o prazo do adiamento.
A lei complementar 110/2001 estabelece, em seu artigo 3º, prazo de recolhimento das contribuições adicionais ao FGTS pelas empresas e multa pelo não cumprimento do prazo. E diz que a receita recolhida deve ser transferida à CEF, embora o termo "transferência imediata" não conste do texto da lei.
Esse episódio, de uso dos recursos do FGTS para fazer superávit primário, coloca outra questão que merece ser discutida pela sociedade. Há um consenso no Brasil de que é importante desonerar a folha de pagamento das empresas, como maneira de aumentar a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Essa questão já foi discutida até mesmo no âmbito da reforma tributária.
Uma medida fácil de ser adotada seria acabar com o adicional de 10% criado pela lei complementar 110/2001. Afinal, o governo já pagou aos trabalhadores toda a correção devida pelo expurgo dos planos econômicos Verão e Collor I e não consta que o Tesouro tenha ficado com qualquer parcela dessa conta. Se o objetivo de criação das contribuições já não mais existe, não faz sentido que uma delas permaneça.

Chávez ou o monopólio do engodo - CLÓVIS ROSSI


FOLHA DE SP - 23/02/12


Foi inútil o oficialismo venezuelano tentar quebrar o espelho para esconder fatos



Começo reproduzindo a abertura de texto sobre a mídia venezuelana e Hugo Chávez, publicado há exatos dez anos: "O comportamento da mídia venezuelana na crise é um escândalo talvez sem paralelo na nem sempre nobre história da imprensa na América Latina. Os cinco principais canais privados mais nove dos dez grandes jornais abandonaram, quase totalmente, qualquer propósito informativo para se transformarem em aríetes (aliás, os principais) da tentativa de derrubar o presidente Hugo Chávez".

De lá para cá, Chávez tratou de virar o jogo, sufocando qualquer oposição e criando seu próprio sistema de informações, com as mesmas (ou piores) armas, o que gerou nefasta polarização.

O introito é para explicar por que desconfio sempre das informações que são publicadas na Venezuela, pelos aliados ou pelos adversários do presidente. Mas, no caso da doença de Chávez, foram os partidários do presidente os que se atiraram à tarefa de quebrar o espelho -o noticiário- para tentar esconder a triste realidade que mostrava.

A sequência foi mais ou menos assim: o jornalista Nelson Bocaranda ("El Universal") disparou uma série de tuítes, no fim da semana, recolhendo os rumores sobre a saúde de Chávez e sua inesperada viagem a Cuba. Depois, consolidou as mensagens em texto no seu blogue.

O "chavismo" reagiu com a virulência habitual: ninguém menos que o vice-presidente Diosdado Cabello usou igualmente o Twitter para dizer que, "quando o comandante aparecer trabalhando, Bocaranda e sua turma terão uma depressão interna, Chávez e o povo felizes, e eles amargurados".

É relevante acrescentar que Cabello parece ter sido escolhido vice-presidente como uma espécie de sucessor "in pectore" para o caso de a doença do presidente ser inabilitante a curto ou médio prazo. Em tese, portanto, é o homem mais apto para ter informações precisas sobre a saúde do "comandante".

Não tinha. Tanto que, quando Chávez "apareceu trabalhando", apareceu também para dizer que uma nova lesão surgira, "com altas probabilidades de que seja maligna, no mesmo lugar onde estava o tumor grande" [extirpado na primeira cirurgia].

Trata-se, então, da metástase anunciada há uma semana pelo colunista Merval Pereira em seu blog, com base em informações de médicos brasileiros que, como é óbvio, o jornalista não identificou? Pode ser, pode não ser. Uma informação precisa só surgiria se houvesse ampla transparência no tratamento do caso, como o fizeram, por exemplo, a então pré-candidata Dilma Rousseff e o já ex-presidente Lula.

Na Venezuela, no entanto, esse tipo de comportamento está proibido por um motivo simples: o tal socialismo do século 21 ou bolivarianismo ou como se queira chamar o modelo venezuelano não se institucionalizou, ao contrário do lulo-petismo no Brasil.

Chávez é a encarnação única de seu sistema, o que significa que este se enfraquece com o debilitamento do mandatário ou morre com ele, na pior das hipóteses. Caudilhismo tem esse defeito, entre tantos. Mas seria igualmente estúpido pretender ou curar ou matar o paciente a golpes de tuítes.

Uma ideia para o Fundo Soberano - NATHAN BLANCHE


O Estado de S.Paulo - 23/02/12


Vários países, com destaque para os grandes produtores de commodities, criaram fundos soberanos visando a administrar os excedentes de influxo cambial, o que evita grandes volatilidades na formação de suas taxas de câmbio, entre outros benefícios e objetivos. Nessa linha, o Fundo Soberano do Brasil (FSB) foi criado em dezembro de 2008, com um aporte inicial de R$ 14,2 bilhões. Em linhas gerais, os recursos do FSB são aplicados integralmente em cotas do Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização, que tem 86,5% aplicados em renda variável (grande parte em ações da Petrobrás) e 13,5% em renda fixa, de acordo com o último relatório disponível. Mas a rentabilidade do fundo tem deixado a desejar. Nos últimos 12 meses teve rendimento negativo em 1,9%.

Uma proposta interessante seria transferir para o FSB parte substancial das reservas internacionais do País, que chegam hoje a US$ 350 bilhões e que em três ou quatro anos devem atingir US$ 500 bilhões, além de direcionar parte do novo influxo esperado de dólares diretamente para o fundo, fazendo com que ele se torne um instrumento estratégico anticíclico de médio e de longo prazos. Enquanto isso, o Banco Central (BC) manteria o papel de mitigar a volatilidade do câmbio no curto prazo.

Para isso, primeiro, o fundo teria de buscar operações mais rentáveis. Uma possibilidade seria usar esses recursos para fornecer linhas de crédito para exportação e importação por meio do sistema financeiro autorizado. Um dos possíveis usos seria o crédito para projetos de infraestrutura de médio e longo prazos, além de crédito para o próprio pré-sal. Vale lembrar que, hoje, grande parte do financiamento do comércio exterior é tomada fora do País, pela baixa disponibilidade de poupança interna.

Essa estratégia contribuiria para resolver alguns problemas, como o do custo de manutenção das reservas internacionais do Brasil, que é elevado, considerando o diferencial de juros entre os papéis brasileiros e norte-americanos, dado que a maioria dos recursos está aplicada em Treasuries. Essa diferença de juros é de cerca de 7% ao ano, o que representa cerca de US$ 25 bilhões ao ano. E, mesmo com esse alto custo, o aumento das reservas não tem gerado benefícios em termos de redução de volatilidade e prêmio de risco. Em termos de prêmio de risco, a relação custo-benefício de carregar essas reservas é negativa, pois desde o 1.º semestre de 2009, quando as reservas atingiram US$ 200 bilhões, o CDS Brasil não tem melhorado.

O argumento de que o Brasil tem baixo nível de reservas em relação ao PIB (15%) e de que é necessário continuar aumentando esse colchão para fazer frente a momentos de estresse no mercado cambial não se mostra verdadeiro. Vale lembrar que, na crise de 2008, o uso das reservas foi reduzido (cerca de US$ 14 bilhões), uma vez que o BC preferiu, naquele momento, utilizar outros instrumentos, como os derivativos, que se mostraram eficazes. O mesmo ocorreu em setembro de 2011, com a piora da crise europeia, quando o BC atuou unicamente no mercado futuro. Nesta linha, se não há benefícios adicionais em termos de prêmio de risco e volatilidade e, além disso, há instrumentos eficientes para administrar momentos de maior tensão no mercado cambial, não há por que manter um volume tão alto de reservas a um custo tão elevado.

A expectativa é de elevado influxo cambial nos próximos anos, já que a extração e a exportação de recursos naturais tendem a crescer. Sabendo que as autoridades não permitirão a valorização excessiva do real, deve haver um crescimento ainda mais expressivo das reservas internacionais. Em linhas gerais, o Brasil não se pode dar ao luxo de continuar engolindo um caminhão de dólares com tanta ineficiência no uso das reservas e alto custo fiscal. Esses recursos precisam ser mais bem aproveitados, inclusive facilitando o próprio sistema de crédito ao comércio exterior. Dada a alta necessidade do Brasil em importar poupança, o correto seria aproveitar melhor essa janela de oportunidade em que o mundo em crise ainda está disposto a aportar recursos no País, alocando-o da melhor maneira possível.

Inércia - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 23/02/12




COM FERNANDA KRAKOVICS

Apesar da cobrança do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para que faça uma oposição mais ostensiva, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) prefere apostar na erosão da base de sustentação da presidente Dilma. E acha que cresceria assim, surfando na crise. O mineiro espera, principalmente, um aprofundamento das desavenças entre PT e PMDB. Sobre fazer uma oposição mais agressiva, aliados de Aécio contemporizam, dizendo que é de sua natureza ser conciliador.

Ao relento
Os funcionários do Senado estão em alvoroço, principalmente os comissionados, por causa de uma ação popular contra horas extras pagas durante o recesso parlamentar de 2009. A 5ª Vara Federal de Porto Alegre determinou que o Senado forneça a lista de quem recebeu e a devolução do benefício, com correçãomonetária. O Senado comunicou aos funcionários, no dia 1º, que a Advocacia Geral do Senado fará a defesa institucional da Casa; e o sindicato dos servidores, o Sindilegis, dos concursados. Já quem ocupa cargo de confiança terá que contratar advogado para defesa pessoal, se não será julgado à revelia.

“Em vez de discutir um programa para São Paulo, o PSDB está entrando na jogada do PT, que é transformar a eleição municipal em uma questão nacional” — Arnaldo Madeira, ex-deputado (PSDB-SP)

DESAFIADA. Antes uma prioridade, a votação do projeto que cria o Fundo de Previdência Complementar do Funcionalismo, o Funpresp, virou praticamente uma questão de honra para a presidente Dilma. Ela quer aprovar a proposta, no plenário da Câmara, na próxima semana. Dilma sentiu-se desafiada pelo presidente da Câmara, Marco Maia, que suspendeu a votação porque perdeu um cargo no Banco do Brasil. Aliados de Maia afirmam que ele se arrependeu do rompante.

Sem revanche
De José Genoino, assessor especial do Ministério da Defesa, sobre a nota divulgada pelos militares da reserva em reação à Comissão da Verdade: “A essência da lei é o direito à memória, que é um princípio em si e a base da democracia”.

Alívio
Para o PSB de São Paulo é muito mais confortável apoiar José Serra para a prefeitura. Os socialistas já participam do governo Geraldo Alckmin. Eles estavam conversando com o PT por causa da simbiose com o PSD de Gilberto Kassab.

Diagnóstico
O governo quer profissionalizar os conselhos tutelares porque chegou à conclusão que eles viraram trampolins políticos, e muitos também passaram a ser controlados por grupos religiosos. Os conselhos estão presentes em 98% dos municípios, mas nem sempre cumprem a função de zelar pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O governo trabalha em um plano nacional de proteção à infância e à adolescência, que vai prever exigência de nível médio de escolaridade e experiência profissional dos conselheiros.

Efeito cascata
Além de não ter dinheiro, o governo federal diz que não tem como socorrer os governadores na criação de um piso salarial nacional para os policiais militares porque haveria um efeito cascata, principalmente nas Forças Armadas.

Bandeira
A bancada do PT na Câmara quer o apoio da presidente Dilma para a proposta de desapropriação de terras onde for encontrado trabalho escravo. “É importante para a imagem do país lá fora”, diz o líder, deputado Jilmar Tatto (SP).

A BANCADA da Saúde pressiona o ministro Alexandre Padilha a incluir pediatras nas equipes do programa Saúde da Família. Ele afirma que não há dinheiro.

PÉ QUENTE. Depois de eleger a mãe, Ana Arraes, para o TCU, o governador Eduardo Campos (PE) ainda levou o carnaval carioca. Ele apoiou a Unidos da Tijuca, que homenageou Luiz Gonzaga.

O GOVERNADOR Jaques Wagner (BA) levou um prato de acarajé para a presidente Dilma ontem. Ele aproveitou para agradecer a presença das tropas federais no carnaval.


Ficções - Gustavo Patu

FOLHA DE SP - 23/02/12


BRASÍLIA - O deputado José Serra, relator do capítulo da Constituição sobre as finanças públicas, trabalha para incluir no texto um artigo que proíbe, com poucas exceções, a fixação de patamares mínimos para o gasto anual do governo em determinadas áreas ou setores.

Sua argumentação é a de que tais regras "castram o poder que o Legislativo deve exercer num regime democrático em relação à utilização dos recursos públicos". Em outras palavras, os congressistas têm a prerrogativa de alterar o Orçamento e devem ter liberdade para definir as despesas prioritárias.

Deputados e senadores concluem que falta dinheiro para a saúde. Fazendo uso de seus poderes na democracia, modificam o projeto orçamentário do Executivo e ampliam as verbas destinadas ao setor.

A candidata à Presidência Dilma Rousseff concorda que a saúde precisa de mais recursos. Promete regulamentar o financiamento e não acha necessário um novo tributo.

O ministro da Saúde, José Serra, futuro candidato à Presidência, patrocina uma emenda para mudar a Constituição e permitir a fixação de patamares mínimos para o gasto público anual em sua área.

Pela regra estabelecida, os recursos têm de ser corrigidos pela variação da inflação e o crescimento da economia. Se houver despesa além do obrigatório em determinado ano, o novo patamar deve servir de base para os Orçamentos seguintes.

Executivo e Legislativo debatem meios para elevar as verbas da saúde. As propostas são fixar um percentual mínimo da receita ou criar um novo tributo para o setor. Sem consenso, a solução dos congressistas é recalcular a previsão de receita do Orçamento para dar os recursos desejados para a saúde sem tirar nada das outras áreas.

A presidente Dilma Rousseff corta o dinheiro extra, por não haver receita certa e para não criar um patamar maior de gastos em saúde.

Trapalhadas kirchnerianas - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 23/02/12


Para quem gosta de trapalhadas, mistificações, remendos e ações autoritárias, o estilo Kirchner de política econômica tem sido uma inspiração - no caso do Brasil, para alguns dos autointitulados desenvolvimentistas. Na Argentina, empresários pouco dispostos a investir e a buscar a modernização para enfrentar a concorrência internacional tendem a aplaudir o protecionismo praticado generosamente pela atual presidente, Cristina Kirchner, que segue no rumo do seu marido e antecessor imediato, Néstor. Os mais comprometidos com a produção mostram-se menos entusiasmados e denunciam, por exemplo, a escassez de insumos industriais provocada pelas barreiras protecionistas. Fora da Argentina, protestam empresários prejudicados por essa política e governos notoriamente decepcionados com o mau funcionamento do Mercosul, como os do Uruguai e do Paraguai. Autoridades de Brasília reclamam de vez em quando, pressionadas por exportadores prejudicados, mas em geral preferem contemporizar.

As barreiras argentinas foram reforçadas a partir de 1.º de fevereiro pela aplicação de novas limitações burocráticas. Faltam máquinas agrícolas e industriais e insumos para quase todos os setores e linhas de produção podem ser paralisadas, segundo o porta-voz da Câmara de Importadores da Argentina (Cira), Miguel Ponce, citado em reportagem doEstado de ontem. Além disso, os estoques de remédios para tratamento de câncer e de aids encolhem perigosamente, de acordo com o presidente do Sindicato de Bioquímicos, Marcelo Peretta.

A situação de quem depende de equipamentos e insumos importados pode piorar, porque os interessados devem se apresentar pessoalmente à Secretaria de Comércio Exterior com um CD com as informações necessárias. Não vale ofício, telex, e-mail ou fax. Tem de ser CD.

Reclamações de industriais brasileiros talvez tenham sensibilizado a presidente Dilma Rousseff, mas ela, até, agora, não deu sinais de estar disposta a pressionar seriamente as autoridades argentinas. Houve raras manifestações das autoridades brasileiras. Nenhuma enfática. Essa tem sido a política desde o tempo do presidente Lula, mas ele tinha duas motivações especiais. Além de carregar a bandeira de um terceiro-mundismo pouco prestigiado na maior parte do globo, ele alimentava, sem disfarce, a ilusão de ser um líder regional. Nunca foi e jamais obteve, na região, apoio suficiente a nenhuma ação importante de projeção nacional.

A presidente Dilma Rousseff parece ter menos ilusões que seu antecessor, mas tem mantido a política de tolerância em relação aos desmandos comerciais do maior sócio do Brasil no Mercosul. Talvez seja uma questão de afinidade. Sua impropriamente chamada "política industrial" tem consistido, em grande parte, de medidas meramente protecionistas, como se a edificação e a elevação de barreiras tornassem as empresas nacionais mais eficientes e competitivas.

De fato, não se trata só do poder de competição das empresas, mas da competitividade da economia brasileira, em geral, reconhecidamente baixa. Que aconteceria se os estrategistas federais decidissem imitar mais ainda os argentinos, e os empresários brasileiros tivessem de levar CDs a Brasília para conseguir licença de importação?

A hipótese pode parecer meramente retórica, mas não é prudente esquecê-la. Decisões erradas podem consolidar-se e produzir equívocos mais graves, por uma dinâmica de multiplicação dos erros. Em algum momento, a falsificação dos dados pode ser acrescentada à política, como ocorreu, na Argentina, quando o presidente Néstor Kirchner resolveu intervir na elaboração dos índices de inflação. Pressionado e desmoralizado internacionalmente, o governo argentino promete, agora, montar um sistema de índices confiáveis - para funcionar em 2014.

A história recente brasileira inclui episódios semelhantes, mas erros como esses pareciam ter-se convertido em histórias de um passado remoto. Tendências intervencionistas e protecionistas voltaram a manifestar-se, no entanto, sob o comando de Guido Mantega. É bom não desprezar o risco de uma recaída. Olhar a experiência argentina pode ser instrutivo.

As "memórias" do barão - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 23/02/12

Já pensou, caro leitor, se coincidisse com o centenário da morte do Barão do Rio Branco - ocorrida no dia 10 de fevereiro de 1912 - a revelação de suas memórias, que por vontade expressa só poderiam ser divulgadas nessa ocasião? (No Globo a Mais de hoje, a história de como a morte do barão fez com que tivéssemos dois carnavais em 1912).
Pois o diplomata Paulo Roberto de Almeida, em seu blog Diplomatizzando, resolveu tornar verdadeiro esse sonho de todo historiador interessado na nossa diplomacia e está publicando as "Memórias", apresentando-se como o seu organizador, responsável pela "transcrição e modernização da ortografia, a partir de manuscritos encontrados nos papéis deixados pelo próprio". Ele relata que "dentre os muitos papéis deixados pelo barão no momento de sua morte, na mais completa desordem, encontrava-se um curioso caderno, que permaneceu obscuro durante muito tempo".
"De aparência anódina, capa oleada marrom, lombada preta, circundado por um barbante (um tanto sujo devido a um uso provavelmente constante), que por sua vez retinha um simples pedaço de papel com esta inscrição a lápis, na letra inconfundível de Paranhos: "Reservado; não tocar".
O diplomata conta sua suposta experiência em detalhes: que passou a lê-lo a partir de cópias fotostáticas e teve acesso ao "original" apenas uma vez, "graças aos zelosos guardiões do Arquivo Histórico Diplomático do Itamaraty, no Rio de Janeiro".
Ao abri-lo, "outro pedaço de papel, de igual feitura (provavelmente destacado às pressas do mesmo pedaço de papel que serviu para compor a nota na capa), também rabiscado a lápis, na mesma letra, com estas simples indicações: "Proibida a reprodução ou divulgação antes de cem anos de minha morte".
Nas páginas seguintes, "numeradas à mão, já começavam as anotações manuscritas do barão, algumas datadas, outras simplesmente localizadas no espaço (a maior parte do Rio, outras entradas feitas em Petrópolis), mas sem o cuidado de manter a estrita cronologia de um diário "normal".
E por que ele não queria que essas notas fossem divulgadas antes de pelo menos cem anos decorridos de sua morte?
"Presumivelmente porque tinha consciência do delicado de suas opiniões sinceras sobre pessoas, países, sobre fatos e percepções pessoais que mantinha nas mais diversas situações que enfrentava na labuta diária à frente da chancelaria, que já tinha sido a de seu pai e mentor respeitado."
Há dois bons exemplos nos "diários" do barão. No primeiro, escrito no dia 2 de maio de 1910, ele relata que o Brasil participará das comemorações do "centenário da independência argentina" no dia 10, "com uma delegação normal", isto é, por meio do ministro em Buenos Aires, "e não com alguma embaixada especial ou enviado extraordinário".
O barão reconhece que seus auxiliares classificam tal decisão de "erro monumental, uma descortesia gratuita, mais uma demonstração de birra pouco diplomática vis-à-vis nuestros hermanos, já que muitos outros países designaram plenipotenciários especiais, alguns a nível de ministros de Relações Exteriores, uns poucos até com o deslocamento de seus chefes de governo".
Como não podia externar sua opinião au grand large, o barão decidiu escrever "para a posteridade e a devida fidelidade a esta musa sempre tão conspurcada que atende pelo nome de História".
Para o Barão do Rio Branco, os argentinos festejavam, "com orgulho indevido", o 10 de maio de 1810, pois "o fato absolutamente verdadeiro é que no 10 de maio de 1810 não foi proclamada nenhuma independência argentina".
Segundo o relato do barão em suas "memórias", os argentinos "comemoram, na verdade, duas ou três datas, dependendo da utilidade", e a de 1810 serve para que anunciem "que ficaram independentes antes de nós".
Mas a independência só se firmou, escreve o barão, "e mesmo assim de maneira passavelmente confusa, depois que San Martin andou fazendo valer o que de fato vale na vida das nações: a crítica das armas, não as armas da crítica".
Outro bom exemplo está nos comentários que o Barão do Rio Branco faz sobre a classe política do país, tão incrivelmente atual.
Em abril de 1909, ele deixou claras as razões que o levaram a recusar, "de maneira peremptória, firme e irrevogável, o generoso oferecimento de uma candidatura, praticamente vitoriosa, à Presidência da República, certamente o cargo mais honroso que um homem público pode desejar, em qualquer país, em qualquer época".
(...) "Confesso, tanto intimamente, quanto aos que lerem estas linhas em algum tempo do futuro, que não tenho a menor vontade (...) de assumir um cargo que me obrigará a tratar com os mesmos políticos que, no íntimo, eu desprezo, que considero particularmente medíocres ou que julgo incapazes e incompetentes para conduzir um Brasil atrasado à posição que ele mereceria ocupar na cena internacional."
"Minha aspiração - sem pretender chocar os que lerem estas minhas memórias desabusadas, algumas décadas mais à frente - é a de que o Brasil possa dispor, no futuro, de homens políticos mais bem preparados para o cargo, tribunos competentes e educados, estadistas comprometidos com a dignidade das causas nacionais, sem essas nódoas de corrupção que nos maculam internacionalmente, sem o peso da ignorância abissal que infelizmente ainda marca muitos dos aventureiros e oportunistas que procuram cargos públicos, alguns inclusive por razões inconfessáveis".
As "memórias" do Barão do Rio Branco estão fazendo o maior sucesso no Itamaraty e na internet, pelas mensagens que seu "autor" tem recebido, e muitos capítulos ainda serão colocados no ar, "tudo baseado em fatos verdadeiros, em acontecimentos reais da vida do barão, situações e pessoas que existiram, de verdade, nenhuma personagem ficcional misturada com as verdadeiras, como ocorre com romances históricos", como explica Paulo Roberto de Almeida em troca de mensagens comigo, que o procurei para saber de detalhes de sua pesquisa e me deparei com um brilhante e bem-humorado trabalho que começou inocente, como uma "verdadeira farsa", e que se apresenta agora como uma "farsa verdadeira".

Envelhecimento mental - FERNANDO REINACH


O Estado de S.Paulo - 23/02/12


Cada uma de nossas características depende dos genes que herdamos e do ambiente em que nos desenvolvemos. Algumas características, como a cor de nossa pele, dependem principalmente de componentes hereditários. Outras, como a língua que falamos, são praticamente determinadas pelos componentes ambientais. E nossa inteligência, é preponderantemente determinada por nossos genes ou pelo ambiente em que crescemos? Agora, com a possibilidade de analisar o genoma de milhares de pessoas, parece que finalmente será possível determinar quanto cada um desses elementos contribui para nossa inteligência e, mais importante, qual o peso desses fatores no nosso envelhecimento mental.

Como não sabemos o que exatamente é a inteligência, os cientistas definem inteligência como a capacidade de se sair bem em uma série de testes de habilidade mental. Até recentemente, para tentar estimar a contribuição dos genes e do ambiente na inteligência, os cientistas eram forçados a analisar pares de gêmeos univitelinos. Como cada par desse tipo de gêmeos possui os mesmos genes, qualquer diferença de inteligência entre os gêmeos advém obrigatoriamente das diferenças ambientais a que foram submetidos. Mas esses estudos possuem limitações graves. A principal delas é que normalmente os gêmeos univitelinos são criados e educados na mesma família e tendem a viver em ambientes semelhantes. Para superar esse problema, os cientistas tentaram estudar pares de gêmeos univitelinos separados no nascimento, mas aí surge um novo problema, a amostra é minúscula. O fato é que ainda não sabemos com certeza quanto da nossa inteligência é herdada e quanto depende de nossa educação.

Mas agora foi descoberta uma nova maneira de estimar a contribuição dos genes e do ambiente para a inteligência dos seres humanos. Ela se baseia em dois tipos de dados que só recentemente puderam ser coletados. Um é a variação da inteligência das pessoas ao longo de mais de 50 anos de vida. Outro é a possibilidade de determinar um número enorme de características genéticas dessas mesmas pessoas, sequenciando parte de seu genoma.

Nesse primeiro estudo foram analisadas 1.940 pessoas, parte nascida em 1921 e parte em 1936. Esse grupo inclui todos os nascidos em duas cidades da Escócia nesses anos. Aos 11 anos de idade (em 1932 e 1947), essas crianças foram submetidas a testes de inteligência. A saúde dessas pessoas foi acompanhada todos estes anos e recentemente, quando eles fizeram 65, 70 e 79 anos de idade, foram novamente submetidos a testes de inteligência. A novidade é que agora essas mesmas 1.940 pessoas tiveram parte de seu genoma sequenciado. No total foram analisados 536.295 locais do genoma de cada uma dessas pessoas. Para cada um dos 536.295 locais no genoma de cada um dos 1.940 idosos foram determinadas as variantes genéticas presentes.

De posse desses dados, e comparando cada indivíduo com todos os outros, os cientistas tentaram responder três perguntas. Primeiro, quais as variantes genéticas estão associadas a um melhor desempenho nos testes de inteligência aos 11 anos de idade. Segundo, quais as variantes genéticas estão associadas a um melhor desempenho nos testes de inteligência nesses indivíduos na velhice. Terceiro, qual a contribuição dos genes para a diminuição da inteligência ao longo do envelhecimento.

Os resultados dos testes mostram que há uma correlação entre inteligência medida na infância e a perda de inteligência na velhice. Pessoas que tinham um resultado melhor na infância tendem a perder essa capacidade mais tarde e mais lentamente. Além disso foi possível mostrar que, apesar de existir um grande efeito ambiental sobre a perda da inteligência durante a vida, um mesmo grupo de variações genéticas está associada a um melhor desempenho na infância e na velhice, e existe um componente genético que determina a velocidade dessa perda. Cientistas obtiveram uma primeira estimativa da contribuição porcentual dos fatores ambientais e genéticos na inteligência e na sua perda ao longo do envelhecimento.

Apesar desses resultados demonstrarem que esse novo método funciona, os autores são muito cuidadosos com os números apresentados, uma vez que os erros nessas estimativas ainda são grandes. Por agora, a conclusão é que tanto a inteligência quanto sua perda é determinada em parte pelos genes que herdamos. Para ter certeza do peso relativo dos fatores ambientais e genéticos vai ser necessário repetir o estudo com um número muito maior de pessoas, talvez algo da ordem de 20 mil pessoas.

Mas o grande avanço é que esse novo método de análise promete resolver uma polêmica que já dura mais de 150 anos: a inteligência humana é determinada principalmente pelos genes ou pelo ambiente?

Para que servem as fantasias? - CONTARDO CALLIGARIS


FOLHA DE SP - 23/02/12

Na minha adolescência, em Milão, no Carnaval, era raro que alguém promovesse uma festa à fantasia; em geral, os poucos estabelecimentos que alugavam fantasias propunham figurinos abandonados por companhias de teatro falidas: a festa cheirava a naftalina, de dar dor de cabeça.
Antes disso, na minha infância, as mães fantasiavam suas crianças e as levavam pelas ruas. No meu caso, isso acontecia em Veneza, onde, por sorte, havia mais crianças fantasiadas do que em Milão -eu não era a única vítima dessa inspiração materna.

Mais tarde, imaginei que, com aqueles passeios de fantasia, minha mãe quisesse me mostrar que, na vida, é sempre possível ser outro: Polichinela, Arlequim, Scaramouche e, muitas vezes, Pierrot. A prevalência de Pierrot demonstra, aliás, que, fantasiando-me, ela não pretendia me ensinar um atalho para chegar à eterna felicidade; o que lhe importava me transmitir era só a alegria de se reinventar, de ter uma vida variada -feliz ou triste, como a de Pierrot, tanto fazia.
De qualquer forma, na época, eu criticava aqueles passeios. Era para todos acharem que eu era outra pessoa? Fracasso: não íamos enganar ninguém, visto que ela não estava fantasiada, e os vizinhos, reconhecendo-a, saberiam imediatamente que a criança era eu.
Esse raciocínio era bem veneziano. Na Veneza antiga, havia as máscaras de nariz comprido, no qual as pessoas socavam ervas que filtrassem as pestilências, e havia, Carnaval ou não, a vontade de se deslocar pelas ruelas da cidade no anonimato. Os venezianos protegiam sua vida privada (política e amorosa) vestindo todos capa e tricórnio pretos com a mesma máscara básica, branca ou preta.

Essas máscaras para preservar o anonimato eram, por assim dizer, fantasias para poder continuar sendo si mesmo (no caso, às escondidas). No Carnaval de Veneza hodierno, na rua ou nos bailes, máscaras e fantasias não servem mais para que possamos ser nós mesmos anonimamente, mas para que o sonho ou a ilusão de podermos ser diferentes sejam reconhecidos por todos, numa espécie de reciprocidade: te felicito por tua fantasia se você me felicita pela minha.
Em suma, já houve fantasias para sermos nós mesmos e, hoje, há sobretudo fantasias para sonhar e fingir ser outro. Não desdenho essa função da fantasia. Afinal, talvez fosse para manter vivo o sonho ou a ficção de ser outro que minha mãe me levava fantasiado pelas ruas.
Passei o feriado no Rio, onde o Carnaval de rua voltou, com a multiplicação dos blocos e com um clima permanente (e civilizado) de festa no asfalto (o da zona sul, no mínimo). Tanto na rua como na Sapucaí, hoje, a fantasia me parece servir mais para sonhar em sermos outros do que para autorizar lados escondidos de nós mesmos, que a fantasia, por assim dizer, permitiria.
Mas eis que alguns amigos não concordam: segundo eles, as fantasias serviriam, justamente, para que ousemos ser nós mesmos. Os antigos venezianos, para agir "soltos", precisavam apenas do anonimato -e por isso eles se fantasiavam.
Nós, para chegar à mesma "soltura", precisaríamos vencer poderosas inibições; a fantasia (com a ajuda da cerveja) nos levaria a acreditar que, uma vez fantasiados, sendo um pouco diferentes, estaríamos (até que enfim) à altura de nossos próprios impulsos reprimidos.
Prova disso, acrescentam os mesmos amigos, são os excessos sexuais que acontecem no Carnaval: tudo seria permitido porque, por um instante, achamos que não somos nós, é a fantasia que cai na gandaia.
De fato, existe um lugar-comum, segundo o qual, no Carnaval, a gente se permitiria perigosos excessos sexuais -é por isso que o Ministério da Saúde concentra suas campanhas de prevenção no Carnaval. Mas é apenas um lugar-comum.
Foi publicada já em 2010 ("Rev. Assoc. Med. Bras.", vol. 56, nº 4, SP 2010; http://migre.me/7ZKpc) uma pesquisa (prolongando a dissertação de mestrado de Wilma Nancy Campos Arze, http://migre.me/80OQl) que mostra o seguinte: durante o Carnaval, em matéria de sexo, não pode acontecer nada muito diferente do de sempre, visto que, como consequência do Carnaval, não aumentam nem as infecções por doenças sexualmente transmissíveis nem as gravidezes indesejadas.
Conclusão: a ideia de que o Carnaval seja um momento orgiástico, em que soltamos desejos reprimidos, é apenas um aspecto do sonho de sermos um pouco diferentes do que somos -ou seja, é apenas mais uma fantasia de Carnaval.

Agora era Cinzas - LUIZ FERNANDO VERISSIMO


O Estado de S.Paulo - 23/02/12


Quando ainda se escrevia crônicas de carnaval, as da Quarta-feira de Cinzas eram as mais comuns. Tratavam de ressaca e remorso, de fim da folga e volta ao trabalho, e de todas as possibilidades dramáticas ou patéticas de um carro alegórico abandonado e um falso marquês estirado na sarjeta. Havia até uma subcategoria de crônica de Quarta-feira de Cinzas, a crônica da volta do marido para casa. Do reencontro, às vezes catastrófico, do brasileiro com a realidade na forma da Adalgisa esperando no portão, e não aceitando desculpas.

Quarta-feira de Cinzas era uma coisa muito brasileira. Como ninguém tinha um carnaval parecido com o nosso, ninguém tinha um pós-carnaval tão triste. Uma queda de tanta altura. Mas o curioso é que quanto maior e mais coisa inédita brasileira fica o carnaval, mais o nosso pós-carnaval perde suas características - e seu valor literário. Hoje a figura típica do pós-carnaval não é mais o folião deixando sua fantasia no caminho na volta ao seu duro cotidiano, é o finlandês embarcando no avião e levando sua fantasia para mostrar em casa. E não tem mais Adalgisa esperando no portão. O marido que volta teve o mesmo destino de outros personagens clássicos: foi engolido pelo tempo e pela irrelevância. Ele não sai mais de casa no sábado e só reaparece na quarta-feira vestindo um cuecão e dizendo que foi sequestrado por sugadoras alienígenas, o que explica os chupões no pescoço. Isso é coisa do tempo antigo. De outros pós-carnavais.

Razão têm os baianos, que acabaram com o pós-carnaval. Lá chamam a Quarta-feira de Cinzas de "Recomeço", e emendam. E como gênero literário as crônicas da Quarta-feira de Cinzas também perderam toda a legitimidade. Viraram anacrônicas. Como esta, que ainda por cima está saindo na quinta.

Silêncio. Estou escrevendo sem saber o resultado da votação para as escolas do Rio. Fiquei impressionado com a Salgueiro, mas estou sempre predisposto a ficar impressionado com o Salgueiro. Mas desconfio que este ficará na história como o carnaval da parada da bateria da Mangueira. Quer dizer, a coisa mais memorável do carnaval de 2012 será o silêncio.

Privatizar? Não pense - CRISTIANE ALKMIN J. SCHMIDT


O Globo - 23/02/12


Quando se lê "não pense em um elefante", qual é a primeira figura que lhe vem à mente? Um elefante, certo? Foi assim que George Lakoff intitulou seu livro, um best-seller, para mostrar quão bons são os republicanos na formação de enquadramentos (ou frames) e como este conhecimento lhes possibilita mobilizar os eleitores americanos. Essa é a razão do título deste texto. Pensar nas privatizações deve ser prioridade. O que dizer, então, sobre frames, as recentes concessões e o novo posicionamento do PT?

Enquadrar situações é uma arte. E esta foi usada ardilosamente pelo PT no passado para demonstrar aos seus eleitores quão supostamente impatriotas eram aqueles que argumentavam em prol das privatizações. E indubitavelmente esse foi um dos pilares ideológicos mais importantes do PT nas duas últimas disputas presidenciais.

Não só Lula colocou junto às cordas seu desafiante Geraldo Alkmin com o tema em 2006, como Dilma fez o mesmo com José Serra 4 anos depois. Só que neste caso, ainda que nos debates ela não tenha reconhecido os excelentes resultados das privatizações e tenha desmerecido os ganhos em deixar para o setor público o que de fato lhe compete, ela privatizou.

O frame para vencer as eleições foi tão bem articulado que o PT se elegeu novamente. O PSDB, por outro lado, ao se esquivar do debate, perdeu a oportunidade de convencer os eleitores sobre os benefícios que uma privatização bem feita lhes poderia trazer. A armadilha de não identificar o frame pelos progressistas, que Lakoff comenta, ocorreu aos tucanos. Uma pena para os eleitores, que poderiam ter feito um melhor discernimento sobre o tema.

E isto, mesmo com evidências ao seu favor, pois os benefícios sociais trazidos pela privatização acompanham o dia a dia do brasileiro. Quem não tem um telefone celular, por exemplo? A inclusão social associada aos serviços de comunicação foi expressiva.

Quintino Severo, secretário-geral da CUT e filiado ao PT, parece indignado e disse que "o partido e o governo terão que explicar à sociedade por que eram contra a privatização" ("Valor", 07/02, pág. A10). Álvaro Dias, líder do PSDB no Senado, diz que o PT cometeu um "estelionato eleitoral" e "que deve desculpar-se com a sociedade" (O GLOBO, 08/02, pág. 22). É fato que, se há não petistas orgulhosos de Dilma, muitos petistas devem estar se sentindo enganados.

Independentemente, pois, de brigas partidárias, agora, com uma suposta convergência de pensamentos, seja por ideologia ou por necessidade, o que deve ser discutido com seriedade é de que forma as futuras privatizações devem ocorrer, que tipos de leilões devem ser feitos e como devem ser os procedimentos.

Para evitar erros futuros, assim, seria bom compreender questões tais como: por que empresas de peso do setor aéreo, como a Fraport, não venceram as concessões?; como uma empresa endividada, a Triunfo, arrematou Viracopos, pagando um ágio de 160%?; por que 60% das obras e 80% dos equipamentos serão financiados pelo BNDES, ou seja, por impostos dos brasileiros?; e qual a razão de o ágio total ter sido tão elevado (350%)? Deve-se à má avaliação do setor público ou à certeza do setor privado de que os contratos serão renegociados e as tarifas aumentadas, uma vez que os valores pagos, em geral, superam a capacidade de geração de caixa?

Estas são apenas algumas das inquietações que precisam ser entendidas. Há que garantir que os grandes beneficiados sejam os consumidores e contribuintes. Por isso urge uma discussão sobre privatizações de cunho mais técnico. Afinal, seguir dando passos na direção correta é o que o Brasil precisa para continuar conquistando a confiança de todos, que inclui a dos próprios brasileiros.

Brasil realmente caro - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 23/02/12


Moeda volta a ficar perto do nível de valorização dos tempos do Plano Real, ruim para a indústria


O REAL ESTÁ a um passo de pisar de novo naquela faixa de preços dos tempos do Plano Real, entre 1994 e 1998, quando esteve hipervalorizado. A depender do jeito de fazer a conta, já pisou na linha vermelha.

Trata-se aqui da taxa de câmbio efetiva real. Grosso modo, é o cálculo do preço do real em relação a uma média das moedas de países com os quais o Brasil comercia, conta que considera ainda a inflação.

Em suma, os produtos brasileiros ficam cada vez mais caros dada a combinação de valorização nominal do real (do preço da nossa moeda em termos de dólar, euro etc.) e do aumento de preços em reais, superior ao de muitos de nossos parceiros comerciais.

E daí? Daí que 2011 já foi ruim para a indústria, que não cresceu.

O câmbio desfavorável facilitou importações, dificultou exportações ou limitou o aumento de preços (e de lucros) da indústria -se as fábricas daqui cobrarem mais, poderão perder mercado para importações.

Não bastasse o câmbio, muito importado está barato porque sobra produção no mercado mundial.

Enfim, o aperto no crédito aqui no Brasil reduziu a venda de bens mais caros, como carros.

Em 2012, o câmbio estará ruim. A economia mundial deve crescer menos. O crédito é uma incógnita, embora as famílias não pareçam ter muito mais folga para se endividar, mesmo com juros menores.

Quão ruim estará o câmbio para a indústria (nem toda ela, pois setores se beneficiam de máquinas, insumos e componentes importados baratos)?

Os economistas ligados à finança ("analistas") têm dado o chute informado de que o dólar valerá

R$ 1,75 no fim do ano. Daqui em diante, a tendência seria de desvalorização do real. Por quê?

Nossas exportações não vão subir tanto de preço, o saldo comercial vai diminuir, o fluxo de dólares também, o investimento direto seria menor, dada a perspectiva de crescimento do Brasil, de parcos 3%. Além do mais, os juros estão em queda. Tudo isso seguraria a valorização do real.

A ver. Mas dólar a R$ 1,75 não é ainda um refresco para quem produz no país. As reduções de impostos para setores da indústria podem melhorar a rentabilidade ou permitir que as empresas segurem sua fatia de mercado. Mas, como se diz em tribunal de filme americano, isso também é "especulativo, protesto".

Por falar em especulação e chutes informados, os economistas mais certeiros da praça vêm reduzindo suas estimativas de crescimento para a indústria desde meados de janeiro -preveem agora uns 2%, 2,5%. Na comparação com 2011, é um progresso. Em si mesmo, é um ritmo bem medíocre.

Sim, o ano mal começou. "Oficialmente", teria começado ontem, Quarta de Cinzas. O empresariado em geral parece esperar o fim do trimestre antes de tocar o barco com mais força. Há a perspectiva de o governo investir mais neste ano, de a Petrobras pôr em prática os planos atrasados etc. O tempo na economia brasileira muda por vezes quase tão rápido quanto o de São Paulo.

Por fim, vale notar que, apesar de todas as maleitas da indústria, o pessoal do setor está admiravelmente silencioso, reclamando pouco -em público, ao menos. Ou ficaram roucos? Ou a coisa não está tão ruim?

Cadeia nacional - RENATA LO PRETE

FOLHA DE SP - 23/02/12




Minuta de instrução que circula no TSE para as eleições de outubro prevê a obrigatoriedade da veiculação de propaganda gratuita de TV em todos os municípios com mais de 10 mil eleitores. A medida preocupa os partidos e as emissoras, que sugeriram ao ministro Arnaldo Versiani, responsável pelo relatório do caso, que reveja a equação e considere o palanque eletrônico somente nas cidades aptas a realizar segundo turno -ou seja, aquelas com, no mínimo, 200 mil eleitores.

Além dos obstáculos técnicos de geração de sinal, o custo da produção de programas tornaria inviável o financiamento de campanhas nos extremos do país.

Interferência Se acolhida pelo plenário do tribunal, a proposta será enviada aos TREs, que reunirão as geradoras de TV e os partidos. Um dos critérios adotados por Versiani é que as transmissões alcancem 60% da área de cada município. O relatório será concluído na segunda quinzena de março.

Caravana Fernando Haddad inicia amanhã uma série de plenárias pelos bairros de São Paulo para debater programa de governo. A primeira será em M'Boi Mirim. Na segunda-feira, a escala é em Brasilândia.

Pelotão Dentro do conselho político da pré-candidatura petista, os nomes escalados até agora para costurar o plano de governo são o vereador Carlos Neder e os deputados federais Carlos Zarattini e Vicente Cândido.

Redução de danos O périplo de Gilberto Kassab para explicar aos vários segmentos do PT os motivos de sua lealdade a José Serra ocupou boa parte da agenda de Carnaval do prefeito.

Todo cuidado... A hipótese de manter as prévias tucanas e esperar que o vencedor ceda a vaga depois a Serra é vista com reservas no núcleo político de Geraldo Alckmin. Isso porque a inconsistência na lista de eleitores habilitados dá margem a um resultado que fuja ao controle.

... é pouco O Bandeirantes avalia que somente Andrea Matarazzo e Bruno Covas abririam mão do posto, desde que instados pelo governador. José Aníbal e Ricardo Tripoli, caso vitoriosos, criariam embaraços a Serra até a convenção de junho.

Eles não Quando refez convite a Blairo Maggi (MT) para o Ministério dos Transportes, Dilma Rousseff já havia sido informada de que o senador dificilmente aceitaria. Depois, a presidente passou a dizer que manterá Paulo Sérgio Passos, pois rejeita os dois nomes da bancada na Câmara: Milton Monti (SP) e Luciano de Castro (RR).

Crime... Na esteira das polêmicas declarações da ministra Eleonora Menicucci (Mulheres) em defesa do aborto, entidades pró-vida usarão audiência pública amanhã, em São Paulo, para protestar contra mudanças no Código Penal, debatidas por comissão de 15 advogados, juízes e procuradores.

...e castigo Texto já aprovado pelo grupo propõe que a prática deixe de ser considerada crime em cinco casos. O que mais alarma as ONGs religiosas é a permissão de interrupção da gravidez até a 12ª semana se o médico atestar que a mulher "não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade".

Pressão Movimento da Regional Sul 1 da CNBB apresentará à Assembleia paulista projeto de iniciativa popular para incluir na Constituição do Estado o direito à vida desde a concepção como cláusula pétrea. Organizadores dizem ter 220 mil das 300 mil assinaturas necessárias.

Começa já A versão paulista da Comissão da Verdade terá membros de cinco partidos (PT, PSDB, DEM, PV e PSB) e deve ser instalada na terça-feira. Como ato inaugural, o colegiado homenageará no dia 1º o ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido durante a ditadura militar.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

"O TSE dizer que o PSD teve 5 milhões de votos em 2010 é ignorar a forma de calcular os eleitos. A assessoria se esquece que os deputados são eleitos com votos de legenda."

DO SENADOR JOSÉ AGRIPINO (RN), presidente nacional do DEM, sobre estudo feito pela assessoria técnica do Tribunal Superior Eleitoral na ação que o partido de Gilberto Kassab move para ter acesso ao fundo partidário.

contraponto

Só pensa naquilo

Durante apresentação de Guido Mantega ao conselho político do governo, um problema técnico fez com que o equipamento "pulasse" a exibição de um dos slides, justamente o que tratava do spread bancário. Intrigada, Dilma perguntou se o ministro da Fazenda não iria tratar deste assunto.

-Está tão alto que fico com vergonha...-brincou ele.

Mitos e equívocos - JOSÉ SERRA


O Estado de S. Paulo - 23/02/12


As avaliações sobre a recente privatização de três aeroportos brasileiros têm misturado duas coisas: a questão política, enfatizada pela maior parte da oposição e retomada pelo PT, e a da forma e do conteúdo do processo.

Ao contrário do que se propalou, as privatizações dos aeroportos de Guarulhos, Brasília e Campinas (Viracopos) não são as primeiras dos governos do PT. Basta lembrar as espetaculares privatizações na área do petróleo, lideradas pelo megainvestidor Eike Batista, sob a cobertura da lei aprovada no governo FHC - alterada recentemente para pior -, e na geração e transmissão de energia elétrica.

Outra ação privatizante digna de menção ocorreu nas estradas federais, a qual fracassou, não obstante o clima de comemoração na época. Fez-se a concessão de graça, pôs-se pedágio onde não havia, mas os investimentos não chegaram, as estradas continuam ruins e o governo federal só faz perdoar as faltas dos investidores. Um modelo furado, que pretendia ser opção vantajosa ao adotado por São Paulo, com vista a dividendos eleitorais em 2010.

O padrão petista de privatização chega ao dinheiro público. O governo faz concessões na área elétrica e as subsidia, via financiamentos do BNDES e reduções tributárias. Não se trata de dinheiro do FAT, mas tomado pelo Tesouro à taxa Selic, repassado ao BNDES a custo bem inferior. Outro exemplo é o da importante e travada Ferrovia Transnordestina. O governo está pagando quase toda a obra, com dinheiro subsidiado, mas a propriedade da concessão é privada. Quem banca a diferença? O contribuinte, é lógico. Quem faz a filantropia? Os governos petistas, cujas privatizações são originais, ao incluírem grandes doações de capital público ao setor privado.

O outro grande exemplo - felizmente, ainda virtual - é o do trem-bala Rio-São Paulo, projeto alucinado que poderá custar uns R$ 65 bilhões, a maior parte de recursos diretos ou indiretos do governo federal e até mesmo dos Estados, via renúncia fiscal, ou dos municípios, que teriam de fazer grandes obras urbanas. O governo quer bancar também os riscos operacionais do empreendimento: se houver número insuficiente de passageiros, o Tesouro comparecerá para evitar prejuízo para o empreendedor privado!

Para alguns representantes extasiados da oposição, com as concessões dos aeroportos, "finalmente o PT se rendeu à privatização", como se este governo e o anterior já não tivessem promovido as outras que mencionamos. Poderiam, sim, ter lembrado o atraso de pelo menos cinco anos na entrada do setor privado na atividade aeroportuária - atraso ocorrido quando a agora presidente comandava a infraestrutura do Brasil.

As manobras retóricas do petismo são toscas. O primeiro argumento, das cartilhas online e de grandes personalidades do partido, assegura que não houve "privatização" de aeroportos, mas "concessão". Ora, no passado e no presente, os petistas chamavam e chamam as "concessões" tucanas (estradas em São Paulo, telefonia, energia elétrica, ferrovias, etc.) de "privatização".

Os PT argumenta ainda que a Infraero mantém 49% das ações de cada concessionária. Isso é vantagem? Em primeiro lugar, a estatal está pondo bastante dinheiro para formar o capital das empresas sob controle privado - sociedades de propósito específico (SPEs) - que vão gerir os aeroportos. Além disso, vai se responsabilizar por quase metade dos recursos investidos, sem mandar na empresa.

Mais ainda: pagará 49% da outorga (preço de compra da concessão) de cada aeroporto. O total de outorgas é de R$ 25 bilhões, número comemorado na imprensa e na base aliada. Metade disso virá do próprio governo, via Infraero! Isso sem contar os fundos de pensão de estatais, entidades sob hegemonia do PT, que predominam no maior dos consórcios, ganhador do Aeroporto Franco Montoro, em Guarulhos. Tais fundos detêm mais de 80% do grupo privado que comandará o empreendimento!

A justificativa de que a Infraero obterá os recursos para investimentos e outorgas da própria concessão é boba - até porque ela já está investindo nas SPEs e vai sacrificar seus retornos. De mais a mais, quais retornos? As outorgas são obrigatórias, enquanto as receitas são duvidosas. A receita líquida do aeroporto de Guarulhos foi de R$ 347 milhões em 2010. A bruta, R$ 770 milhões. A outorga dessa concessão será paga em 20 parcelas anuais de R$ 820 milhões... Mesmo que a receita líquida duplicasse, de onde iriam tirar o dinheiro para os investimentos? No caso de Brasília, a outorga exigirá cerca de 94 % da receita líquida...

Com razão, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), favorável, como eu, às concessões, ponderou: "Com o que sobra é possível entregar a qualidade desejada? Difícil. Difícil até mesmo operar com os baixos níveis atuais, pois sobrará para as concessionárias muito menos dinheiro do que a Infraero tem hoje".

O que poderá acontecer? As possibilidades são várias: mudanças nos contratos, revisão, para cima, de tarifas, atrasos nos investimentos necessários, subsídios do governo e prejuízos para os cotistas dos fundos. Tudo facilitado pela circunstância de que a privatização (um tanto estatizada) tirará o TCU do controle e transparência de gastos com aeroportos...

Existe ainda um erro elementar e pouco notado. De todos os consórcios que entraram no leilão foi exigida a participação de uma operadora internacional de aeroportos. Mas os consórcios onde estavam as boas operadoras perderam a licitação. E as operadoras internacionais dos grupos que ganharam são de segunda linha...

A Presidência da República reclamou disso, como se não fosse o governo o responsável. O correto teria sido as operadoras internacionais serem introduzidas depois da licitação. Cada consórcio vencedor convidaria então uma operadora, a ser aprovada previamente pelo governo como condição para a homologação da concorrência. É uma sugestão que pode ser adotada nos futuros leilões. Por ora, fica o leite derramado...