sábado, dezembro 08, 2012

Revolução em xeque - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 08/12


Confrontos nas praças, ação do Exército, centralização dos poderes no palácio presidencial. A situação atual no Egito lembra de forma preocupante a época do ex-ditador Hosni Mubarak, derrubado em fevereiro de 2011.

Quase dois anos depois, está em frangalhos a revolução egípcia -a mais expressiva da Primavera Árabe, devido à importância do país.

Presidente desde junho, Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana, ensaiou passos de pragmatismo ao mediar a crise entre Israel e o Hamas, mas logo desperdiçou a boa vontade da comunidade internacional ao conceder, via decreto, superpoderes a si próprio.

Com esse ato, Mursi coloca-se à margem de contestações judiciais. Quebra, portanto, o princípio de freios e contrapesos que deveria nortear a democracia nascente.

Após protestos contra a medida, o presidente egípcio acenou com um recuo parcial. A tentativa de conciliação, porém, não evitou a violência, que ultrapassou os limites da praça Tahrir para chegar ao entorno do palácio presidencial.

Islamitas que apoiam Mursi têm enfrentado opositores do novo presidente, uma coalizão fluida de seculares, liberais, socialistas e arruaceiros ligados ao antigo regime. Desde quarta-feira, o saldo é de sete mortos e mais de 400 feridos.

Como pano de fundo da violência está a nova Constituição do país, gestada por um comitê dominado por islamitas. Aprovado a toque de caixa, o documento será submetido a referendo no dia 15.

Sob muitos aspectos, o texto proposto decepciona. Limitação do número de mandatos presidenciais e proteção contra prisões arbitrárias foram ofuscadas pela assimilação da sharia, a lei islâmica, na Constituição. Faltam garantias para as mulheres, para a liberdade religiosa e para a imprensa.

Berço do nacionalismo árabe secular, sede do principal centro de estudos islâmicos e com uma influente minoria cristã, o Egito vive em estado de permanente tensão. Iniciativas concentradoras de poderes apenas agravam a situação.

O processo de restauração da ordem no país precisa passar pela aceitação dos princípios democráticos -e não recuar à repetição de atitudes despóticas anteriores.

Um fracasso no Egito, país que dita tendências na região, não ficará restrito a seus 80 milhões de habitantes. O que está em jogo é o futuro da Primavera Árabe.

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