sábado, dezembro 08, 2012

Oportunismo, populismo e outros 'ismos' - CLÁUDIO J. D. SALES


O Estado de S.Paulo - 08/12

A Medida Provisória (MP) n.º 579, que nasceu cheia de impropriedades, começa a tomar rumo perigoso. As controvérsias antes circunscritas à explícita transferência de valores (do setor elétrico para outros setores econômicos) passaram a ser contaminadas pela agenda política.

Contrariado por não ter obtido adesão integral ao seu plano de renovação das concessões de usinas e linhas de transmissão de eletricidade, o Planalto passou a disparar que o insucesso parcial de tal plano se deve à "insensibilidade" e a disputas políticas.

Tratemos, primeiro, do oportunismo - agora documentado - de alguns representantes classistas organizados ao redor de federações. Quem acompanhou as declarações, ao longo de meses, de um desses representantes - um político que há anos tenta obter uma bandeira para alavancar sua base eleitoral - pôde verificar sua mudança radical. Sua outrora enérgica exigência para que as renovações fossem feitas por meio de licitações foi trocada por total apoio à MP 579. O adesismo tem explicação: afinal, para que brigar por princípios, se "a entrega veio melhor que a encomenda"?

O outro "ismo" que dominou a MP 579 é o populismo. Daniele Albertazzi e Duncan McDonnell, em Populismo do Século 21, definem o populismo como uma ideologia que posiciona um virtuoso e homogêneo "povo" contra "elites" e perigosos "outros" destruidores de direitos de um povo soberano. De fato, o principal elemento adotado por políticos populistas consiste em eleger quem ganha (os mocinhos) e quem perde (os vilões).

Nessa estratégia maniqueísta, o esforço de alguns grupos de pressão, com apoio do governo, foi o de caracterizar empresas do setor elétrico (que geram, transmitem e distribuem eletricidade, estatais e privadas) como vilãs e as outras empresas (que consomem energia) como mocinhas.

Foi a partir desse palco e dessas personagens que o governo semeou o que está colhendo. A reação do mercado de capitais foi péssima: o impacto sobre a Eletrobrás se refletiu na perda de bilhões em valor de mercado. Para uma presidente que disse, no último dia 20, querer desenvolver o mercado de capitais, fica difícil entender como chegar a esse objetivo provocando tamanha destruição de valor no mesmo mercado de capitais. No caso da Eletrobrás, acionistas minoritários passaram, inclusive, a se autointitular "minorOtários".

A MP 579 tinha tamanhas impropriedades que, de forma improvisada, o próprio governo precisou rever alguns absurdos, como o não reconhecimento de investimentos de transmissão feitos antes de 2000 e os erros de cálculo dos valores de indenização das usinas.

É importante registrar que a oportunidade de redução da conta de luz sempre existiu como decorrência do grande volume de concessões vincendas entre 2015 e 2017. O governo não "criou" essa oportunidade e o papel da MP 579 era apenas o de definir a forma das renovações. Esse é o ponto. A medida provisória nasceu de forma errada: sem transparência e sem refletir o conjunto de impactos para o setor, para contribuintes e para consumidores.

Mas ainda há tempo para melhorias. A primeira delas seria muito eficiente para diminuir a conta de luz, se essa é a real intenção do governo. Basta cumprir a promessa de campanha da então candidata à Presidência Dilma Rousseff, que em outubro de 2010 afirmou que zeraria o PIS/Cofins de energia elétrica. Só aí temos 8% de redução.

Além disso, o diversionismo que joga a culpa na disputa política precisa acabar. Eletricidade é fundamental para o crescimento e requer investimentos bilionários e constantes, tanto de governos - via estatais - quanto da iniciativa privada. O tratamento truculento dado às empresas do setor elétrico não ajudará o País a se livrar das recentes e medíocres taxas de crescimento.

A mentalidade precisa mudar. E esse teatro de mau gosto, com vilões de um lado e mocinhos puros e cheios de boas intenções de outro lado, precisa ser desmascarado.

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