quarta-feira, dezembro 19, 2012

O ponto da carne - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 19/12


É difícil entender os erros do governo no caso da carne. Um dos projetos mais explícitos de incentivos tem como beneficiárias as empresas produtoras e exportadoras de carne. O dinheiro tem jorrado do BNDES para os frigoríficos. Neste episódio do animal encontrado com o agente causador do mal da vaca louca, estamos correndo risco de perder reputação como fornecedor.

O fato aconteceu em 2010 e foi anunciado no fim de 2012. O governo garante que não há risco algum de haver o problema no Brasil e que a vaca teve morte súbita. A dúvida é: por que o comprador tem que acreditar nisso?

Japão, África do Sul e China não ficaram para ver e suspenderam importações. Foram seguidos por Egito, Arábia Saudita e Coreia do Sul. Em nota, o secretário-executivo do Ministério da Agricultura, José Carlos Vaz, disse que "é natural, ao tomar conhecimento via imprensa, que a reação de alguns países seja de cautela". O governo deveria ter se antecipado ao problema para minimizar o dano à nossa imagem. A Rússia já manteve um embargo, por 18 meses, de carnes de três estados. Só voltou atrás depois da visita da presidente Dilma ao país.

O saldo comercial de carne foi positivo em US$ 11 bilhões de janeiro a outubro. Para se ter uma ideia, na balança de exportação de grãos, o saldo é de US$ 17 bi. Em petróleo e derivados, há déficit de US$ 10 bilhões.

Ao contrário do que se pensa, não foi a ajuda do BNDES que permitiu o saldo. O Brasil já era o maior exportador do mundo quando a atual administração do banco decidiu comandar um processo de benefício aos escolhidos e de fusão entre frigoríficos. O banco virou um dos maiores sócios do setor.

Mas já que era para ajudar com tantos bilhões os frigoríficos, seria coerente zelar pela imagem do setor. Consultores do mercado de carne dizem que o Brasil tem a melhor classificação em termos sanitários. Segundo Hyberville D’Athayde, da Scot Consultoria, o Brasil tem o nível de "risco neglicenciável" pelo mais respeitado selo sanitário internacional, o BSE.

Alguns anos atrás, o Brasil não era considerado área livre de febre aftosa. Agora é. Isso é resultado de esforços de produtores e órgãos fiscalizadores. Mas a conquista ficará em risco se o governo continuar neglicenciando o dano à imagem que esse assunto tem causado.

O tema não pode ser avaliado apenas pelo percentual de compra dos países que suspenderam a importação. Mais relevante é o impacto que isso pode causar em toda a clientela. A economia internacional está em crise e barreiras estão sendo levantadas contra os principais fornecedores de qualquer produto. O melhor é não dar argumento.

A carne brasileira tem outros pecados. Nunca foram totalmente afastadas acusações de que os maiores produtores - inclusive os que têm o governo como sócio - compram bovinos de área desmatada ilegalmente ou até de produtores que já tiveram casos de trabalho escravo. O pacto da Carne Legal do Ministério Público e a pressão de ONGs produziram avanços, mas não eliminaram os problemas.

Se a carne é tão importante para o Brasil, a ponto de o setor receber bilhões entre empréstimos e capitalizações do BNDES - até a Caixa entrou na farra de transferência de dinheiro para frigoríficos -, então que se evite o risco de perder mercado. Não basta dizer que o Brasil não tem vaca louca ou que a tal vaca morreu não de loucura mas de morte súbita. Isso não convence ninguém. É preciso que os órgãos responsáveis, a diplomacia, e as empresas demonstrem aos compradores - de grande ou pequeno volume - que o Brasil não é louco de jogar tanto dinheiro público em um setor e depois se descuidar da fiscalização sanitária. Ou é?

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