quarta-feira, dezembro 05, 2012

No metrô com James Bond - MARCELO COELHO

FOLHA DE SP - 05/12


O filme explora a ideia de um Bond já entrado em anos, com um desempenho físico deixando a desejar


MEU CONHECIMENTO dos filmes de 007 é praticamente nulo -acho que só assisti ao primeiro da série, o de Sean Connery contra o satânico doutor No, além de um outro na década de 1980.

Eu achava aquelas histórias muito sem pé nem cabeça, com James Bond indo de um lugar para outro sem ter a menor ideia do que estava fazendo. O inimigo mortal acabava sendo derrotado graças a uma série de coincidências e absurdos.

Claro que eu estava perdendo o humor de tudo, em especial uma coisa que reconheço agora no último filme de Bond, "Skyfall". Seria, digamos, a arte das pequenas surpresas.

Exemplo inesquecível, logo no começo da série. Um mergulhador sai do mar, com roupa de borracha, pés de pato, garrafão de oxigênio. Tira a máscara: é Sean

Connery. Abaixa o zíper da roupa: está impecavelmente vestido num "summer jacket", pronto para entrar no mais caro cassino tropical.

Há alguns desses imprevistos silenciosos no novo filme de Sam Mendes. Melhor não contar.

Não sei se os maníacos de 007 acham "Skyfall" melhor ou pior do que os anteriores, mas para mim tudo funciona muito bem, com grandes atores (Judi Dench, Albert Finney, um Javier Bardem insuperável como vilão) e perseguições espetaculares.

A grande caçada que inicia o filme é uma obra-prima do gênero e tem essa característica da improvisação, do absurdo, que impregna de humor toda a seriedade dos personagens.

Ninguém imaginaria o que uma retroescavadeira poderia fazer numa corrida em alta velocidade -mas o filme mostra que qualquer coisa, por mais pesada e lerda que seja, pode ser útil nas mãos de James Bond.

O próprio agente do serviço secreto britânico está pesado e lerdo, para nada dizer da instituição em que trabalha e do país que representa. O filme explora a ideia de um Bond já entrado em anos, ruim de pontaria e com um desempenho físico deixando a desejar.

Claro que a Inglaterra será sempre a Inglaterra, ainda mais porque o próprio vilão parece estar vitimado pela mesma decadência.

Numa das cenas mais "disgusting" do filme, pode-se ver que a figura de Javier Bardem, recoberta de maquiagem, tintura loira e falsos dentes brancos é, na verdade, algo bem mais horrível do que a espécie de Donald Trump dos pobres que se apresentava no início.

As armas mirabolantes e carros cheios de truques já não adiantam nada contra esse tipo de inimigo. Ele é capaz de dominar tudo graças a uma rede de computadores, escondida dentro de uma ilha em ruínas.

De certo modo, é como se o mundo da prosperidade industrial civilizada já não existisse mais. As grandes potências do Ocidente escondem seus sinais de velhice, o eixo econômico se transferiu para a China, e o aparato tecnológico de destruição, antes guardado nos arsenais de poucos países, hoje está ao alcance de qualquer gênio com um teclado à sua frente.

Num artigo para o site Artinfo, Kelly Chan conta a história da cidade arruinada que serve de esconderijo para Javier Bardem. Trata-se da ilha de Hashima, no porto de Nagasaki. Usada como dormitório para mineiros de carvão, chegou a ser um dos lugares com maior densidade demográfica de todo o mundo.

A preferência pelo petróleo terminou deixando o lugar abandonado, mas a memória do apinhamento, da superpopulação, volta ao filme em alguns momentos.

O vilão conta que, na sua família, o método usado para exterminar ratos era guardá-los vivos dentro de um barril, até que todos se entredevorassem. Outra perseguição notável em "Skyfall" se dá dentro de um metrô lotado, na hora do rush.

Também abandonada e erma, por outro lado, é Skyfall, a propriedade dos antepassados de Bond, perdida nas solidões da Escócia. O casarão semidestruído será o cenário para o embate final entre 007 e seu inimigo.

Decadência por toda parte. Não será daí, na verdade, que o terrorismo tira suas forças? A ilha destruída de Javier Barden se assemelha, em seus escombros pálidos, às imagens da faixa de Gaza.

Ia-me esquecendo: lá a superpopulação é um problema também. Um pouco mais de espaço, não digo vastas propriedades na Escócia, sempre ajuda a pacificar os ânimos.

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