quarta-feira, novembro 07, 2012

O dia seguinte (Volta ao Mundo) - HELENA CELESTINO

O GLOBO - 07/11


Colocar os EUA de volta na rota do crescimento, negociar novas regras de comércio com a China e decidir o que fazer no Oriente Médio. Por maior que seja o tamanho da encrenca, são estes os principais desafios que esperam o próximo presidente.
Falar é fácil mas mexer com isso é uma complicação com repercussão no mundo todo. E pior, ele terá pouco tempo para dar essa virada na maior economia do planeta - no máximo até o meio de 2014 - quando começa uma nova campanha eleitoral e ninguém mais vai querer tratar de assuntos difíceis. Mais uma má notícia? O presidente terá de encarar um Congresso com má vontade, pois provavelmente a Câmara de Deputados será de maioria republicana e o Senado, democrata. Exatamente no mesmo estilo dos últimos dois anos, uma espécie de inferno em vida enfrentado por Barack Obama, que acabou enredado na paralisante mesquinharia política do Tea Party.
Nada disso andou frequentando os palanques, mas estava por trás da troca de farpas envenenadas nessa longuíssima campanha eleitoral. Não por acaso, ficaram mais raras as cenas de emoção nas multidões acompanhando o energético Obama de 2008, inspiradas por suas promessas de mudar o mundo. "Ele tem o poder das palavras, criou esperanças impossíveis de cumprir", comenta Gay Talese, um outro mestre da língua inglesa.
Apesar de suas elogiadas costeletas presidenciais, Mitt Romney se escorou na perspectiva de derrotar Obama para entusiasmar seus eleitores, acenando-lhes com uma espécie de revanche pelos anos difíceis da economia, mas sem propostas concretas. Num país dividido ao meio entre democratas e republicanos, ficou mais fácil encenar um Fla-Flu do que tratar das dificuldades do mundo real.
No palanque, nenhum candidato resiste a retomar a narrativa do sonho americano, a terra de oportunidades em que todos estão convidados a participar das benesses do capitalismo. O ritual se manteve nesta campanha, mesmo se esta utopia faz mais parte do imaginário coletivo do que da vida cotidiana, mostram as estatísticas e as cenas de Nova York pós-furacão: desemprego de 8%, desigualdade crescente, 40 milhões sem acesso à saúde, déficit explosivo, perda de competitividade no comércio internacional, gastos trilionários com guerras ainda não completamente encerradas.
Na cidade que gosta de se ver como a capital do mundo, votar ontem era passar por escombros, subir e descer 20 andares em mais de 400 prédios sem luz e água quente, zonas eleitorais fechadas por servirem de abrigo para cerca de 40 mil sem-casa, Cruz Vermelha e prefeitura distribuindo comida e agasalhos às vítimas de Sandy. Trata-se de um desastre natural, mas ficaram entre as promessas esquecidas de Obama o corte nas emissões de gases e, no receituário de Romney carvão é estrela e o aquecimento global nem aparece.
No front externo, a vida não foi mais fácil para o presidente: as finanças mundiais contaminadas por Wall Street, a retirada do Iraque e do Afeganistão, as guerras da Primavera Árabe, sangue na Líbia e na Síria, a crise moral e financeira na Europa, a chegada turbulenta da China ao cenário mundial. Foram quatro annus horribilis , atestam os cabelos mais grisalhos de Obama e seus eleitores muito menos alegres e entusiasmados. E agora, o que vem por aí? Romney parece pretender gerir os EUA como uma empresa e o mundo como um mercado, ameaçado por Rússia, China e Irã. Já Obama vai em busca do tempo perdido.
A prioridade zero será evitar o abismo fiscal. Os republicanos querem manter os cortes de impostos para os mais ricos - determinados na era Bush, expirando neste fim de ano -e aumentar os gastos militares. Os democratas pretendem taxar os mais ricos e cortar despesas na Defesa.
Mais do que uma discussão sobre impostos, são duas visões de mundo opostas. Na narrativa tradicional, corte de impostos dos empresários ativa a economia, cria empregos e riqueza. Já os democratas desafiam o mito de que todos vencem no modelo capitalista americano. Pela primeira vez um presidente diz às elites que o bom para o 1% mais rico não é necessariamente bom para a classe média, alterando uma história longamente acalentada. Para transformar teoria em prática, vai tentar implementar a reforma da saúde e, se tudo der certo, a lei de imigração. E tentar uma política externa sem novas intervenções militares.

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