quinta-feira, novembro 22, 2012

Foodism, fudistas e o peru - LUCAS MENDES


De Nova York para a BBC Brasil - 22/11


Brevíssimo dicionário: Food é comida. Foodism - ou fudismo, numa adaptação para o português - é a obsessão por comida que assola os Estados Unidos.


Foodie ou foodist - fudista, em português adaptado - são os comilões, uns mais refinados, outros menos, mas não vale a pena entrar neste preciosismo.

Ficamos com o fudismo e os fudistas.

A mania da comida está na nossa frente: Há mais de oitenta programas de televisão sobre culinária.

Só com o título Top Chef temos Top Chef Canadá, Top Chef Oriente Médio, Top japonês, chinês, etc..

Quase todas cozinhas do mundo têm seu Top Chef show, até o Canadá.

Além do salmão e do bacon, quais são as especialidades canadenses?

Se o Canadá tem Top Chef, porque o Brasil não tem?

Quando cheguei a este país no fim dos sessenta só havia um programa de culinária na televisão, o da adorável Julia Child. Não havia nenhum restaurante japonês em Nova York e os poucos mexicanos eram suspeitos e marginais.

Hoje, em alguns bairros de Nova York, há um restaurante mexicano ou japonês em cada quarteirão do Village, Downtown e Upper West Side.

Pizza e espagueti eram as comidas internacionais, fartas em Little Italy. Comida chinesa era rara fora de Chinatown.

Hoje os mercados americanos oferecem 92 tipos de massas e o país consome um quarto da produção mundial.

Eataly, é um templo da comida italiana com mercados, café e cinco restaurantes onde as esperas são de 45 minutos.

A maior especialidade americana era o hambúrger, desprezado pelos franceses, ditadores da mesa, pela falta de sabor e finesse, como o taco dos vizinhos mexicanos era desprezado pelos americanos.

Hoje, duas das maiores cadeias de comida do país são McDonald´s e Taco Bell, e tiveram o mesmo berço, San Bernardino, a uma hora de Los Angeles. Têm quase a mesma idade.

Glen Bell tinha uma hamburgueria, mas copiou a fórmula dos tacos do pioneiro café Mitla que ficava em frente, automatizou o sistema, abriu o Tia Taco que evoluiu para a rede Taco Bell.

Ele se tornou o "Titã do Taco", título (em tradução livre) da sua biografia. São mais de seis mil restaurantes nos Estados Unidos.

A maior rede, em volume de dólares, ainda eh McDonald´s. A que mais cresce é Five Guys Burgers and Fries. O hambúrger é invencível.

Graças aos chefs, o sanduíche de carne moída se refinou, multiplicou e os foodists, ou fudistas, acompanharam. Há o hambúrger dos 99% do McDonald´s e variantes e o do 1%.

Daniel Bouloud foi líder do 1% com seu hambúrger de trufas e foie gras por US$ 175.

Las Vegas achou barato e lançou um de US$ 5 mil acompanhado com uma garrafa de Petrus. Pegou.

Londres lançou uma versão de hambúrger com bife Wagyu, por US$ 200. O desprezado hambúrger do McDonald´s invadiu o mundo e foi mais bem recebido entre franceses.

Fora dos Estados Unidos a maior rede dos McDonald´s ainda está na França onde uma americana de Los Angeles lançou o próprio hambúrger no "Camion qui Fume".

Na rua de um dos bairros mais caros de Paris, o "Caminhão de Fumaça" (em tradução livre para oportuguês) da Krister Frederick vende um hambúrger com fritas e sobremesa por 10 euros.

Uma hora e meia na fila do almoço de cada dia.

Há um ano não havia nenhum caminhão de comida na minha praça, a Union Square. Hoje há uma fila. A licença custa US$ 200, mas a cidade não emite novas há vários anos.

São negociadas ilegalmente no mercado paralelo a US$ 60 mil por ano. As comidas são brutais nas calorias, mas não há queixas de saúde ou higiene.

Os tacos não acompanharam o sucesso do hambúrger, mas é uma questão de tempo. Depende da adesão dos chefs.

Alex Stupack, classicamente educado no fogão, serve taco com steak tartar no Village.

A rigor, o prato mais caro dos restaurantes chineses, o pato assado com molho de ameixa, é servido numa tortilha, e é um taco.

Noutra versão oriental, os tacos do chef coreano Roy Choi conquistam vegetarianos e carnívoros.

Estes também nasceram em Orange County, o mesmo condado que gerou McDonald´s e Taco Bell.

Onde o chef vai, o povo vai atrás.

Há quase vinte anos dois irmãos começaram a servir molhos com tutano no restaurante que ficava aberto depois das três da manhã e atraía outros chefs.

Há dois anos os ricos compravam ossos com tutano para seus cachorros. Hoje os bichos ficam só com os ossos. Tutano é delicioso, barato e politicamente correto, mas ainda está confinado aos restaurantes do 1%.

Substituem as bolas de carne de vitela que já chegaram aos 99%.

Hoje é dia de Ação de Graças e, infelizmente, para o peru, é o dia dele no cardápio. Dos 300 milhões criados por ano, 45 milhões serão devorados hoje na mais americana de todas refeições.

Nenhuma outra tem tanta história, intenções mais nobres ou tantas calorias.

Uma reunião na mesa de família, amigos, desconhecidos e gratitude, inspirada na paz entre índios e colonos mas eles não fazem parte da conversa na mesa.

Em geral é servida no começo da tarde. Política, esporte e relações familiares dominam as conversas e no fim do dia vários parentes estão felizes, bêbados, apagados, estuporados e desunidos.

Aqui voltamos aos fudismos, fudistas e chefs. Fora do thanksgiving, o peru entra nos sanduíches, mas ainda não inspirou chefs, nem saliva os fudistas.

Os franceses ainda não aprenderam a comer peru. Nem os italianos. O consumo de outros países, por cabeça, não chega perto dos americanos.

O Canadá é distante segundão. O Brasil é bronze.

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