sexta-feira, novembro 02, 2012

Escrever é um risco - PAULO SANT’ANA

ZERO HORA - 02\11


Eu, que já trabalho há 41 anos escrevendo em jornal, casualmente sem nunca tirar férias, embora escreva 30 ou 31 dias por mês, tenho experiência bastante para entender que muitas vezes um elogio que se faça na coluna é mais perigoso que uma crítica.

Também fruto da minha experiência, há críticas que a gente faz que são consideradas cruéis contra os criticados, embora verdadeiras.

Um exemplo, entre tantos: se você escrever que determinado jogador de futebol não joga nada ou não podia nem jogar na várzea, muita gente considera que isso é uma maldade com o jogador, embora passado algum tempo todos vão notar que esse jogador realmente não joga nada e não podia nem jogar na várzea.

O que eu queria dizer em resumo – e talvez não esteja sabendo dizê-lo – é que é muito arriscado e perigoso tanto elogiar quanto criticar alguém.

O fato é que, em última análise, é muito perigoso escrever, simplesmente. Basta que alguém que tenha firme opinião escreva alguma coisa para ser contrariado por muita gente.

Recentemente dei, sob certo aspecto, um exemplo disso: eu tenho sido tão insistente na minha opinião, há 41 anos, de que os presos gaúchos têm o direito de ser bem tratados, de morar em celas dignas, de ser medicados quando estiverem doentes nos presídios, que não podem continuar a ser assassinados nas prisões, que acabei recebendo cerca de 40 e-mails de leitores afirmando que estou redondamente enganado, que os presos devem ser maltratados e que até “morrem muito poucos presos assassinados e doentes, que tinham que morrer muitos mais”.

Chegaram ao ponto, esses meus discordantes, de achar que ao defender bons tratos aos presos e segurança nas cadeias para não virem a ser assassinados, que esses meus cuidados e essas minhas preocupações eu tinha de ter com as vítimas dos presos, o que nunca viram eu fazer.

É arriscado escrever, mesmo quando a gente elogia alguém ou então defende os mínimos direitos humanos de alguém, basta que este alguém tenha um dia errado. E, se errou, tem de sofrer ou tem de morrer.

Basta que surja um excêntrico jornalista que pregue apenas que as prisões não se tornem nem masmorras, nem campos de concentração, nem locais de execução sumária, para que sobre ele se derrubem todas as maldições e contrariedades.

Eu, por exemplo, acho que as ruas estão cheias de bandidos e que as prisões estão também repletas deles, mas que também tem muita gente que assiste a esse drama ou é vítima dele que contém em seus corações maldades análogas às desses bandidos.

E que age e pensa com crueldade não por querer apenas vingar-se dos bandidos, mas porque guarda dentro de si crueldades equivalentes às empregadas por esses criminosos, perversidades essas que se travestem não raro de revolta contra o crime.

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