sábado, outubro 06, 2012

Lavagem no direito - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SÃO PAULO - 06/10


Nas sessões de julgamento do STF, tudo se passa em público e raso, sob a luz de transmissões pela televisão



É relativamente comum que escrevedores profissionais não gostem de certas palavras ou de modismos literários. Monteiro Lobato, uma das grandes marcas literárias do Brasil no século 20, detestava galicismos. Lobato é respeitado e respeitável por muitos motivos, mas sua implicância com os galicismos só foi superada pelo uso dos anglicismos.

Gostar ou não gostar de palavras ou de estrangeirismos corresponde ao exercício da liberdade, que enuncio em causa própria. Confesso, por exemplo, que não gosto da palavra lavagem. No interior era a comida para os porcos. Embora também fizesse referência ao branqueamento dos tecidos, predominava na definição do que então se chamava (educadamente) de clister.

Nos dicionários da língua portuguesa ou de vocábulos próprios do direito, o termo não era vinculado a casos de corrupção na administração pública, hoje frequentadores diários das manchetes impressas e eletrônicas. Nas primeiras edições do Aurélio e do Houaiss o vocábulo aparecia sem corresponder à acepção popularizada "mensalão". No sentido em que a palavra passou a ser comum na mídia brasileira, ganhou popularidade depois que o cenário nacional se agitou com desvios e trapalhadas de políticos, levando vantagens financeiras sem serem apanhados pelas rodas da Justiça. Estavam confiantes na inexpugnabilidade das suas versões relacionadas com financiamento de campanhas. Agora terão que inventar novos caminhos.

A demora na revelação foi grande, no universo dos fatos administrativos. A definição atualizada de lavagem deve parte de sua expansão ao estudioso Walter Maierovitch, que a definiu, no direito penal, como o crime consistente na falsidade do lançamento contábil e/ou documental para dar aparência lícita a dinheiro oriundo de ato negocial ilícito. É a versão que Maria Helena Diniz incluiu em seu exemplar "Dicionário Jurídico".

O retardamento não foi causado por uma crise de vocábulos na língua oficial do Brasil (Constituição, art. 13) ou na linguagem dos juristas. A definição percorre caminhos abertos pela esperteza gerada por "heróis" de uma dezena de termos que o Houais relaciona, como aldagrante, caloteiro, falcatrueiro, trapaceador, velhaco, vigarista e assim por diante.

Nas sessões de julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) o conteúdo do resultado final ainda é imprevisível. Trata-se de evento no nível do Judiciário, bem original, pelo número de envolvidos, que vai à casa das dezenas. Revela caminhos, intervenções e resultados tão policialescos que não pareciam viáveis numa primeira apuração apenas judicial. Não há violência. Não há tortura. Não há ameaças. Tudo se passa em público e raso, sob a luz de transmissões diretas pela televisão. Boa parte das descobertas decorreu de denúncias vindas de alguns dos envolvidos, mais provavelmente (e aqui me sirvo de expressão muito antiga) quando apanhados com a boca na botija.

Nada obstante a crítica vigorosa aos culpados, não se deve generalizar, sem limites justos, a extensão da adequada repulsa do eleitorado aos políticos que traem os princípios do direito e da moral. Em todos os casos, sempre se deverá separar o joio do trigo, mesmo nestes tempos em que o joio parece dominar o mercado da política.

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