sábado, outubro 13, 2012

Japão gentil - ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR

FOLHA DE SP - 13/10


Antes que o trem se mova, ela chega correndo: a mocinha boa de inglês precisa falar comigo


A mocinha uniformizada entra correndo no vagão. Nós tínhamos nos conhecido, rapidamente, minutos antes. E já estamos nos vendo de novo.

Cenário: uma estação de trens dentro do aeroporto Centrair, de Nagoya, Japão. É dali, às 10h da manhã, que sai meu voo de volta ao Brasil. Para não ter erro, um dia antes já me instalo em um hotel dentro do aeroporto. Mas são ainda 18h da véspera da viagem. Não há nada para fazer em Centrair, que fica numa ilha artificial afastada da cidade (28 minutos se você der sorte de pegar o trem expresso; cerca de 50 se tomar o comum).

Melhor partir para o centro de Nagoya, mais precisamente o bairro Sakae, de "entretenimento", onde hordas de "salarymen", camisa branca, gravata preta, pele avermelhada pelo excesso de álcool na circulação sanguínea, tomam as ruas cambaleantes, fieis à tradição japonesa de ir direto do trabalho para bebedeiras insanas.

Deixo o hotel, percorro um longo corredor vazio. Chego ao saguão do aeroporto (calmo para os padrões japoneses), viro à direita e entro na estação ferroviária. Ao cruzar a catraca, encontro duas jovens portando crachás com três palavras mágicas: "English-speaking staff".

"'Onegaishimasu', estou indo para o centro de Nagoya, e quero voltar no último trem. A que horas ele sai de lá?"

A que falava inglês melhor fica em dúvida, pergunta para a colega. Então crava: "Onze e meia da noite".

"Arigatô gosaimasu", e lá vou eu para o trem. O primeiro vagão está meio cheio, o segundo idem. Lá pelo quarto ou quinto, eu entro.

Antes que a composição se mova, percebo que alguém chega correndo. É a mocinha boa de inglês, que conseguiu me encontrar naquele vagão tão distante das catracas. Precisa falar comigo.

"Desculpe, eu dei uma informação errada."

"Qual?"

"Eu disse que o último trem sai de Nagoya às 11 e meia. É às 11 e 15."

***

A noite ferve em Sakae. É um Baixo Augusta (SP) multiplicado por 100 mil, uma Prado Júnior (RJ) vezes 1 milhão.

Prédios inteiros de karaokês, outros de restaurantes. Bares, bares, bares. Estabelecimentos oferecem moças para os mais variados graus de intimidade: só para conversar, ou só para ver strip-tease sem poder tocar, ou para ver strip-tease e pegar, ou sabe-se lá mais o quê (não entrei em nenhum, quem me explicou foi o porteiro de um deles -International Big Tits Bar!-, que pelo sotaque identifiquei na hora como brasileiro e revelou ser da Vila Matilde, zona leste paulistana).

Paro para jantar. Última noite, tudo é festa. Sei que eles não aceitam gorjeta, mas pago a conta, deixo um pouco a mais e me mando. Já na calçada, enquanto acostumo os olhos, que trocavam o balcão escuro pelo néon de Sakae, noto uma moça vindo atrás de mim. Era a garçonete. Para devolver o troco.

***

Manhã final no Japão, aeroporto de Nagoya. Faço as últimas compras, tomando um baile das pilhas de moedas japonesas que ainda restavam. Minha completa falta de coordenação motora faz com que, a cada minuto, eu derrube todas no chão.

A vendedora fica com pena. E me oferece um saquinho branco, com o logotipo da loja. Em um primeiro momento, não entendo o que é. Até que ela pega minhas moedas e começa a organizá-las. Não era um quebra-galho. Era um saquinho feito só para isso: para os turistas guardarem moedas.

***

Teve também o balcão do correio de Kyoto, com uma gama de óculos de leitura para empréstimo. Se o cliente que vai preencher os envelopes não enxerga direito, é só pegar um.

Teve o sushiman do delicioso Sushi Bun, dentro do mercado de peixes Tsukiji, em Tóquio, explicando, com tradução da querida Mari Hirata, que sushi é comida sem muita frescura, quase um "fast food", e que, se a gente conhecesse alguém que faz sushi e bota muita banca, era só levar lá que eles enquadravam o sujeito.

E teve o tiozinho que, ao chegar em casa, viu a turista ocidental se protegendo da chuva sob a marquise do prédio dele. Tirou a jaqueta branca de nylon leve, colocou sobre os ombros da moça e seguiu adiante. Subiu sozinho para o apartamento, sem dizer uma palavra.

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