sábado, outubro 06, 2012

Graciliano para prefeitos - XICO SÁ


FOLHA DE SP - 06/10


O TRIBUNAL Superior Eleitoral deveria tornar leitura obrigatória aos 15.600 candidatos a prefeito no país o livro "Relatórios", a prestação de contas do escritor Graciliano Ramos enquanto jovem prefeito de Palmeiras dos Índios (AL), entre 1929-30.

Leitura com direito a ditado e prova oral. Se possível castigo de palmatória para os reprovados. Cada frase do velho Graça, como era chamado, vale por toda a Lei da Ficha Limpa.

Repare nesta pérola sobre obras de iluminação pública: "A prefeitura foi intrujada quando, em 1920, aqui se firmou um contrato para o fornecimento de luz. Apesar de ser o negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo às escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá."

Comunista, o escritor enviou o seu texto, considerado hoje uma obra-prima da crônica de costumes, ao então governador Álvaro Paes, que ficou impressionado com o valor literário do deveria ser apenas mais um documento da burocracia administrativa.

Sobre o cemitério, escreve: "Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável. Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não reclamam."

Os "Relatórios" foram publicados em uma coedição da Fundação de Cultura do Recife com a editora Record. A edição tem apresentações do advogado e escritor José Paulo Cavalcanti Filho, integrante da Comissão da Verdade, e do jornalista Joel Silveira.

Imagine um atual prefeito, candidato à reeleição, reconhecer a ineficiência do ensino municipal. Graciliano, com seu humor árido qual a paisagem sertaneja, não temia a sinceridade.

"Não creio que os alunos aprendam ali grande coisa. Obterão, contudo, a habilidade precisa para ler jornais e almanaques, discutir política e decorar sonetos, passatempos acessíveis a quase todos os roceiros."

Enxuto nos gastos como a sua escrita, Graciliano relata cortes em despesa. Sobre a estrada que liga Palmeiras dos Índios à sua Quebrangulo natal, foi enfático: "Original produto de engenharia tupi, tem lugares que só podem ser transitados por automóvel Ford e lagartixa".

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