terça-feira, outubro 30, 2012

A dança do tripé - JOSÉ PAULO KUPFER


O Estado de S.Paulo - 30\10


O "talk of the town" do momento, na economia brasileira, é o abandono ou não do tripé da política econômica - metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal. Dia sim, outro também, economistas se dispõem a criticar o governo - e, sobretudo, o Banco Central (BC), responsável direto por duas das três pernas - pelo relaxamento em relação aos "três pilares".

Implantado em 1999, com a mudança do regime cambial, o tripé, em sua jovem existência, provou-se, como a democracia em relação aos regimes políticos, o modelo de sustentação econômica ideal, na falta de outro melhor. Mesmo quando aplicado, nos primeiros anos, de modo supostamente mais "puro", não foi capaz de evitar o colapso externo de 2002 - nem garantir números macroeconômicos isentos de fragilidades.

Ao longo de uma experiência de quase 14 anos, só a perna fiscal ficou mais perto do centro dos objetivos para ela traçados. Os outros dois pilares operaram em intervalos mais flexíveis. O centro da meta de inflação, por exemplo, só foi alcançado em três oportunidades - 2000, 2006 e 2009. E a flutuação cambial nunca deixou de ser mais ou menos suja, o que é comprovado pela acelerada acumulação de reservas no período. Num sistema puro de câmbio flutuante, por definição, não há necessidade de acumular reservas internacionais.

Com esse quadro em mente, fica parecendo que a reivindicação dos que reclamam do abandono do tripé é uma espécie de nostalgia daquilo que nunca foi. O tripé jamais dançou o samba de uma nota só que agora muitos estão pedindo. Além disso, as críticas parecem se chocar com as recomendações mais respeitáveis à atuação de bancos centrais, nesses tempos atuais de profunda e transformadora crise global.

Produzido pelo Comitê para Política Econômica Internacional e Reforma, um documento intitulado Rethinking Central Banking (Repensando a ação dos bancos centrais, em tradução livre), publicado em setembro de 2011, é um ótimo resumo do novo ambiente econômico global. O documento desmonta verdades estabelecidas e propõe aos bancos centrais adotar um rol de ações antes geralmente repelidas.

O comitê reúne experts de alto nível, por iniciativa da Brookings Institution, secular e poderoso "think tank" americano. São ex-presidentes de bancos centrais, ex-funcionários de organismos multilaterais, acadêmicos de prestígio e destacados especialistas de mercado. Para dar uma ideia do seu alto nível, basta mencionar que do grupo fazem parte o brasileiro Arminio Fraga, os professores Kenneth Rogoff, Barry Eichengreen, Dani Rodrik e Raghuram Rajan, além de Mohamed El-Erian, da gigante global de investimentos Pimco.

À luz do que a crise vem ensinando, o comitê recomenda revisar o modo convencional de pensar as políticas econômicas. Faz menção especial às interações entre o sistema de metas de inflação e câmbio flutuante, observando que esse conhecimento se estabeleceu como definitivo sem considerar que sua disseminação se deu numa quadra excepcionalmente benigna na economia mundial - de meados dos anos 90 a meados de 2000.

O documento também sugere "não ser mais viável" manter ativa a ideia, aceita por muito tempo, de que cada instrumento de política econômica só pode atender a um único objetivo. Nesse sentido, os especialistas do comitê entendem que as funções dos bancos centrais são agora mais amplas, com especial atenção para o objetivo da estabilidade financeira. Em seu nome, inclusive, se for o caso e por um tempo, desvios em relação às metas de inflação são inconvenientes que devem ser aceitos.

Outra diferença relevante em relação às teorias estabelecidas, diversas vezes anotada no documento, é a de que os impactos de políticas locais sobre outras economias são reais e importantes, a ponto de poder levar os bancos centrais, especialmente nos países emergentes, a reagir a eles. Qualquer semelhança com ações defensivas em relação aos afrouxamentos monetários nos EUA e na Europa não é mera coincidência.

É possível verificar que o nosso BC, bem longe de tirar "inovações" da cartola, está, de fato, adotando várias das novas linhas de ação recomendadas. Mas pode-se verificar também que, de acordo com essas novas orientações, o BC brasileiro tem falhado, sobretudo em relação à comunicação. Se o mundo mudou e as ações também mudaram, o desafio da comunicação é explicar, com a máxima transparência, o que mudou e por que mudou.

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