segunda-feira, setembro 03, 2012

Só conhecemos aquilo que podemos medir - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 03/09


Por que criar um ranking universitário? À primeira vista, é uma atitude temerária. É procurar sarna para se coçar, num português claro.

Para começar, as universidades brasileiras, construídas à sombra do sindicalismo de resultados, têm sólido histórico de resistência a avaliações e costumam reagir com veemência a quem se propõe a escrutiná-las.

Ademais, publicar uma lista de classificação significa contentar à meia dúzia dos mais bem colocados e enfurecer, no nosso caso, mais de 200 instituições -um desastre de relações públicas.

Para tornar tudo mais difícil, muitas das críticas feitas a rankings não se limitam a choro de despeitados, merecendo séria consideração.

O exercício de transformar um campus universitário, com todos os seus pesquisadores, professores, alunos e técnicos e suas múltiplas interações, num único indicador numérico implica uma simplificação brutal da realidade, o que gera distorções. Para cada critério incluído no ranking, outros, igualmente defensáveis, deixam de entrar. O RUF não traz nenhum indicador de infraestrutura, para citar um único caso.

Mais do que isso, a escolha de um item tem impacto sobre outros. Num exemplo concreto, o RUF considera tanto o total de trabalhos publicados no biênio 2008-09 (uma medida da robustez da instituição) como as publicações por docente (produtividade) e as citações recebidas (qualidade). A utilização do total de artigos favorece universidades de maior porte como USP, UFRJ e UFRGS.

Seria também justificável ficar apenas com as publicações por docente, mas, aí, as beneficiadas seriam as instituições menores, uma crítica corrente contra alguns rankings internacionais. A única certeza aqui é que tomar decisões é inevitável.

Outra dificuldade é avaliar setores específicos. As publicações em "journals" dão conta razoavelmente bem das áreas de exatas, biológicas e ciências da vida, mas não funcionam tanto nas humanas. Não são despropositadas as objeções dos que afirmam que a publicação de um livro (que não é computada no RUF nem na maioria dos rankings) vale mais que a de dezenas de artigos. De novo, escolhas são inevitáveis.

Os problemas relativos à avaliação do ensino pelos pesquisadores e pelo mercado são só um pouco menores. Evidentemente, é preciso perguntar a quem conhece. Não podemos convidar um arquiteto para julgar cursos de medicina. A solução foi recorrer à base de pesquisadores do CNPq, só que ela própria carrega vieses, como o número extremamente elevado de físicos (894) e relativamente baixo de advogados (60).

No caso do mercado, recorremos aos RHs de empresas e instituições. É uma saída, aceitável, mas não sem implicações. Os próprios RHs não parecem atribuir tanto peso à universidade de origem dos funcionários, já que 32% disseram que não faz diferença.

Com tantos e tão variados dilemas, a pergunta inicial, "por que criar um ranking universitário?", se torna ainda mais premente. Poderia ser apenas uma moda, já que o mundo inteiro está a fazê-lo, mas há razões de fundo que justificam o interesse.

A ciência e o ensino estão se globalizando. É cada vez mais comum ver jovens estudando no estrangeiro. E, se já é difícil escolher uma universidade no país de origem, muito pior é fazê-lo em lugares a respeito dos quais não se tem muita informação. Os rankings, ao traduzir toneladas de dados num número, ajudam esse estudante. Embora a internacionalização seja ainda incipiente no Brasil, devido a mudanças como o Enem, está aumentando a mobilidade interna dos alunos, para os quais o RUF pode ser de grande auxílio.

O ranking é ainda uma ferramenta valiosa para as próprias instituições, que poderão acompanhar seu desenvolvimento ao longo do tempo e comparar-se.

No mais, uma medida da produção universitária, mesmo que imperfeita, é preferível a nenhuma medida. A verdade, para utilizar um mantra da física, é que só conhecemos aquilo que podemos medir. Sem as amarras da realidade mensurável, a ciência é indistinguível da teologia e do delírio.

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