sábado, setembro 29, 2012

Psiquiatria da conciliação - ELIZABETH CARNEIRO


O GLOBO - 29/09

Acaba de chegar às livrarias brasileiras o interessante livro "Ciência x espiritualidade" (Editora Sextante, 2012). De forma articulada e inteligente, o físico Leonard Mlodinow e o espiritualista Deepak Chopra debatem e se contrapõem sobre a origem do Universo, a existência de Deus e os caminhos da mente humana. Mlodinow defende a superioridade da razão, da ciência, da comprovação material e inquestionável dos fatos. Chopra, por sua vez, acredita que o ser humano ainda está muito distante de ter a compreensão absoluta do mundo, pois, como prenunciou Shakespeare, "há mais coisas entre o Céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia".

A medicina, aos poucos, vai aceitando - e assimilando - conceitos até então praticados apenas no Oriente, como uma maior consciência mental sobre a importância do momento presente e os benefícios da ioga e da respiração. A psiquiatria e a psicologia, particularmente, já começam a conciliar a objetividade do Ocidente e a subjetividade do Oriente.

Um nome fundamental neste processo é Marsha Linehan, psicóloga americana e pesquisadora da Universidade de Washington. Ela desenvolveu a Terapia Dialética Comportamental, psicoterapia que combina ciência comportamental com conceitos de aceitação e atenção plena, ambos derivados de práticas contemplativas, com um viés filosófico. Em outras palavras: o paciente precisa aceitar-se como é para, em paralelo, trabalhar para superar-se. Vale ressaltar que, em nenhum momento, Marsha adota um ponto de vista religioso, alinhado com qualquer prática de fé, tal qual Chopra no livro.

Uma sequência de estudos em pacientes com transtorno borderline (quadro que envolve automutilação, tentativas de suicídio, oscilações de humor) provou que o método de Marsha funcionava. Em seguida, ela expandiu a terapia aos pacientes que agem por impulsividade, como dependentes químicos e comportamentais. Obteve êxito novamente.

A partir daí, a psicóloga americana deu sua grande cartada: foi entrevistada pelo "The New York Times" e confessou tratar-se ela mesma de uma paciente com transtorno borderline , com internações desde a juventude, instintos suicidas e de automutilação. Mediante o sucesso anterior de suas pesquisas, Marsha não poderia ser desqualificada por sua condição de paciente. Touché. "Fiz a pesquisa porque nunca consegui ser ajudada a contento por nenhum médico", confessou ao jornal americano.

Para nós, a boa notícia é que já existem profissionais pioneiros no Brasil na adoção do método de tratamento terapêutico proposto por Marsha. A psiquiatria contemporânea busca um equilíbrio entre a mente racional e a mente emocional. A combinação de ambos seria a mente sábia e, em última análise, saudável. Quem ganha são os pacientes.

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