terça-feira, setembro 25, 2012

Obama ou Mitt Romney? - ARNALDO JABOR


O Estado de S.Paulo - 25/09


Na época de Eisenhower, morei nos USA e estudei numa "high school" no coração da "América profunda", em Saint Augustine, Flórida, a cidade mais antiga do país.

Era a época da "geração silenciosa" do pós-guerra. Foi nos "gloriosos" anos do racismo. Nunca tinha visto o 'reacionário' fundamental, básico, sólido. Lá, eu vi de perto o mundo psíquico dos republicanos. A Flórida tem mais direitistas que jacarés. Os republicanos típicos são filhos de um deus duro e implacável. As caras, as fuças típicas dos republicanos parecem dizer: "Não tenho dúvidas, não quero ouvir, já sei tudo, Deus me disse...!" Exatamente como os 'jihadistas' que querem bombardear.

Depois, veio o Kennedy, moderno, com mulher chique, que governou até 63, quando uma bala virou sua bonita cabeça numa massa sangrenta. Ficou Lyndon Johnson, um medíocre vice democrata, pré-Nixon. Depois, o irmão Bob Kennedy, que certamente seria eleito, foi assassinado na frente das TVs do mundo todo em 68. Em seguida, tivemos o Nixon, que cai em 74, sucedido pelo frágil Jimmy Carter que preparou a chegada dos republicanos Reagan e Papai Bush, até a "era dourada" do Clinton, que acabou desmoralizada pelos lábios da Monica Lewinsky, histérica e republicana, no mais trágico "boquete" da história ocidental.

Agora, diante das eleições próximas, olho Obama - homem raro, profundo, que aponta os melhores caminhos para a América - e me preocupo: será que os americanos vão reeleger um negro intelectual ? Será que ganha o racismo oculto, recôndito, a KKK na alma dos "wasps" e malucos dos "tea parties"?

Digo isso porque vi o racismo americano de perto. Saint Augustine era uma cidade igual àquela do Truman Show. Os ritos sociais, os gestos cotidianos, os sorrisos e lágrimas, tudo parecia programado por uma máquina obsessiva. A vida e morte eram padronizadas: abraços gritados, torcidas histéricas no beisebol, alegrias obrigatórias, intensa religiosidade, tudo girando num carrossel de certezas absolutas.

Só uma coisa estava fora da ordem: os negros. Era outra América dentro da cidade. No ônibus amarelo do colégio, eu via meus colegas louros, ruivos e brutos berrando contra os negros que passavam: "Hey, nigger, por que teu nariz é tão chato?" "Hey, nigger, por que teu cabelo é pixaim?" Os negros ouviam de cabeça baixa, o rosto torcido de humilhação, num ódio sufocado. Amontoavam-se no fundo dos ônibus, em pé, mesmo com os carros vazios, e moravam num bairro sujo de madeira e terra. Eu me espantava com aquela ausência total de compaixão, eu que vinha de babás negras me beijando. Os pobres segregados eram tristes, trêmulos e esfarrapados, obesos e deprimidos, com frágeis mulheres engelhadas e crianças assustadiças.

Os brancos da cidade me amedrontavam, a violência dos alunos me assustava. Vi brigas de ferozes galalaus se arrebentando até o sangue no focinho e o desmaio, onde nem os diretores do colégio podiam interferir. Eu era um "nerd" comprido e meio bobo nos meus 15 anos e me chocava com as botas de caubóis marchetadas de estrelas de prata, com as facas de onde a lâmina pulava, os casacos de couro negro que já vestiam a "juventude transviada" - uma rebeldia reacionária e "republicana".

O ídolo da época era Elvis Presley rebolando na TV. Pairava um clima de intolerância entre os próprios brancos; eram os fortes contra os fracos, as meninas bonitas contra as feias, as sérias contra as "galinhas" que eram comidas nos "drive-ins", dentro dos carros envenenados, os "hot rods", e depois cuspidas para a humilhação coletiva. As rivalidades eram vingativas e duras.

Eu, turista tropical, tímido e fraco, provocava-lhes um respeito cauteloso por ser estrangeiro e os machões me poupavam porque eu lhes dava "cola" em "spelling", soletrando palavras de raiz latina para eles.

Mas, existia no ar um perigo desconhecido; dava para sentir que a solidez de certezas, se rompida, provocaria um grave desastre. Eu navegava naquela cultura obsessiva e, bem ou mal, conseguira namorar Melinda Mills, pálida filha loura de um ex-marine que estivera no Rio e me mostrou um cartão-postal do Mangue com suas palmeiras, onde ele certamente conhecera a zona e as 'polacas'.

Até que, um dia, chegou a notícia terrível: tinha subido aos céus o satélite russo, o Sputnik, girando como uma bola de basquete em órbita da Terra.

Foi indescritível o pânico na cidade. Desde 49, com a explosão da bomba H pelos soviéticos, destronando a liderança dos destruidores de Hiroshima, os americanos esperavam outra catástrofe, que viria como um filme de terror tipo A Invasão dos Feijões Gigantes.

Em minutos, a cidade parecia um campo de refugiados, de perdedores humilhados pelos comunistas no espaço. No colégio, começaram "fire drills" incessantes, alarmes evacuando os alunos para porões e abrigos atômicos. O então senador Lyndon Johnson berrou: "Brevemente estarão jogando bombas atômicas sobre nós, como pedras caindo do céu..." No alto, o satélite Sputnik humilhava os americanos, com seus "bip bips", soando como gargalhadas.

A partir desse dia, os colegas passaram a me olhar de lado. Transviados e 'porradeiros' me investigavam com perguntas: "Que você acha? Teu país gosta dos russos?" Eu tremia e escondia minha vaga admiração pelo socialismo. Eles me olhavam desconfiados: 'Brasileiro, latino, sabe-se lá?'

Depois disso, não me pediam mais 'cola'. O pai de Melinda, putanheiro do Mangue, mal me cumprimentou de sua poltrona esfiapada. Melinda ficou mais pálida e nosso namoro definhou.

Por isso, hoje vejo o Obama, esguio, mulato, de elite, lutando contra o sutil 'racismo' que vai além da cor da pele. Esse 'racismo' está também na desconfiança do 'novo', do 'diferente', da distribuição de riquezas para todos. O mundo vai mudar. Obama ou Mitt? Quem dá mais? A inteligência que resiste à estupidez ou aqueles 60 milhões de idiotas que elegeram o Bush na fraude do século, na Flórida. Será que vão repetir tudo?

Se Mitt ganhar, o mundo será derrotado.

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