sábado, setembro 29, 2012

O cão de Stalin - JOSÉ CASADO


O GLOBO - 29/09

Despediram-se com abraços e sorrisos. Na quarta-feira, quando Igor Sechin, presidente da petroleira Rosneft e um dos principais colaboradores de Vladimir Putin, presidente da Rússia, deixou Caracas, levava na bagagem um pacote de US$ 39 bilhões em novos contratos no setor de petróleo negociados com o governo da Venezuela. Não é pouco: equivale, por exemplo, à metade de todo o volume de investimentos que a Petrobras diz ter realizado no Brasil no ano passado.

Em terra, ficaram o presidente Hugo Chávez e seu mais novo amigo: um terrier negro - presente de Putin entregue por Sechin. Trata-se de um genuíno produto russo. Surgiu nos canis do Exército Vermelho, depois da Segunda Guerra Mundial, como resultado do cruzamento de diferentes raças, especialmente o alemão Rottweiler. Usado como arma de vigilância nos campos de concentração da Sibéria, onde eram internados os dissidentes do regime soviético, o terrier russo negro se tornou inesquecível para prisioneiros como o "cão de Stalin".

Convalescente de um câncer, Chávez tenta nova reeleição no próximo domingo (7 de outubro) numa disputa tão imprevisível quanto são díspares os resultados das pesquisas eleitorais disponíveis. A única certeza é que, depois das eleições, a vida dos venezuelanos vai mudar: quem for eleito terá de agir de imediato, e de forma dura, para impedir o avanço do país - ou melhor, do próprio governo - em direção ao abismo econômico.

A Venezuela de Chávez que vai às urnas é um país de 27 milhões de pessoas, cuja economia equivale a um quarto da brasileira. É totalmente dependente das exportações de petróleo (95%), importa quase tudo (85%) que consome, amarga uma inflação recorde (cerca de 25% ao ano), raciona água, energia elétrica e alimentos.

Quando ele chegou ao poder, há 13 anos, o barril de petróleo estava cotado em US$ 7. Terminou a semana valendo US$ 105. Ou seja, a era Chávez contou com uma receita extra neste período estimada em cerca de US$ 850 bilhões, mas a economia permanece estagnada e as contas públicas, simplesmente, não fecham: as reservas do país estão em queda, a petroleira estatal PDVSA sobrevive à base de financiamentos extraordinários do Tesouro nacional e o abastecimento interno - sobretudo de alimentos - está cada vez mais comprometido pela escassez de dólares para pagar pelas importações.

O mais recente relatório do Banco Central venezuelano é eloquente sobre o estado das finanças públicas e o custo do esforço político de Chávez para se reeleger no domingo: o gasto governamental aumentou 23% de janeiro a agosto, em comparação com igual período do ano passado. Em termos reais, ou seja, descontada a inflação desses oito meses. É aumento em velocidade três vezes maior que a expansão da arrecadação de impostos e da receita obtida na exportação de petróleo. A dívida pública interna subiu 18%, segundo o Ministério das Finanças, e a quinta-feira terminou com as reservas do país 17% abaixo do nível de janeiro.

Não há "paraíso socialista" que resista, ainda que há 13 anos Chávez renove diariamente suas promessas consolidadas em um "Plano de Suprema Felicidade Social". O acerto de contas começa na segunda-feira (8). Não importa o eleito. Os venezuelanos terão um encontro com a realidade. E como mostra a história do comunismo soviético, do castrismo cubano, ou do capitalismo brasileiro, europeu e americano, o preço pago pela anarquia econômica de uma sociedade é sempre muito alto. Armas como o "cão de Stalin" eventualmente podem ser úteis ao governante de plantão, mas não resolvem seu problema básico: a sobrevivência política.

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