terça-feira, setembro 11, 2012

Nem 8 nem 80 - JOSÉ PAULO KUPFER


O Estado de S.Paulo - 11/09


Períodos de transição em ciclos econômicos não produzem apenas confusão e debate acirrado sobre a trajetória futura da economia. Produzem também confusão e debate acirrado a respeito das políticas econômicas mais adequadas para sustentar a retomada, na passagem de um ciclo de baixa para um outro de alta, ou evitar a descida ladeira abaixo, quando o ciclo de alta dá sinais de esgotamento.

Se ainda fosse o caso de provar que a economia brasileira fechou um ciclo de quedas no nível de atividades e deu início a uma retomada, o acirramento do debate sobre a política econômica mais adequada para o atual momento está aí para acabar com as dúvidas. Não passa um dia sem que especialistas critiquem a insistência do governo em adotar medidas de estímulo ao consumo ou concordem com elas, a partir da avaliação de que se esgotou - ou não - o modelo de crescimento com base no incentivo à demanda.

Como quase sempre, nessas horas, é provável que a melhor avaliação esteja no meio do caminho. Podem-se encontrar boas indicações de que o consumo ainda não bateu no teto e, portanto, há espaço para que ainda responda, positivamente, a estímulos. Mas também não é difícil constatar que, sem dirigir políticas ao aumento da oferta, o crescimento tenderá a ser estruturalmente modesto, muito mais instável e dependente dos humores da economia global, além de insuficiente para as necessidades - e possibilidades - do País.

É difícil convencer que o espaço de expansão do consumo esteja esgotado numa economia que, segundo muitos - e, curiosamente, alguns desses são defensores da ideia do esgotamento do modelo -, apresenta baixo desemprego e ganhos reais de salários. O comportamento ainda favorável do mercado de trabalho, de fato, conspira contra a tese do esgotamento do consumo, mesmo com o aumento tanto do endividamento das famílias quanto do comprometimento da renda.

Há ainda outras implicações, que não deveriam ser esquecidas. Embora tenha se dado, nos últimos anos, um forte movimento de inclusão, tanto social quanto no mercado de trabalho formal, ainda existem enormes lacunas nesses campos, com contingentes de brasileiros sem acesso - ou com acesso restrito - ao consumo. As desigualdades de renda diminuíram, mas, como mostram todos os levantamentos, ainda estão longe de algum ponto mais aceitável.

Também os avanços consideráveis na formalização da mão de obra ainda não foram suficientes para absorver um terço do pessoal ocupado, que permanece na informalidade.

O diagnóstico de que o consumo já deu o que tinha de dar como contribuição ao crescimento teria como consequência natural a adoção de políticas que, no mínimo, não colaborariam para manter ativo esse ainda incompleto e necessário movimento de inclusão.

Mas, de outro lado, se não é nada certo que o consumo tenha chegado ao limite, é impossível não reconhecer que o atraso na criação de um ambiente favorável à ampliação da oferta, com a indução ao investimento e a eliminação de entraves à redução dos custos, limita a exploração do potencial de consumo, gera pressão inflacionária e não abre caminho para a obtenção de ganhos de produtividade e de competitividade.

Fica, assim, a impressão de que transformar em dicotomia a escolha de políticas de estímulo à demanda, via aumento do consumo, e de incentivo à oferta, via melhoria na produtividade, expressa um falso impasse. Na verdade, políticas voltadas para esse duplo objetivo parecem mais complementares do que excludentes. Sim, tem quem ache que é possível fazer uma economia investir antes de crescer, mas a vida real não se dá bem com essa ideia.

Situações desse tipo, de oito ou oitenta, não são nem um pouco incomuns no debate das políticas públicas entre nós. Disso não há melhor exemplo do que o oferecido pelos acalorados embates em torno da prioridade da destinação de recursos para a educação - se para o ensino fundamental ou para o superior.

Uma larga corrente defende prioridade absoluta para o ensino básico, sob a alegação, corretíssima, diga-se, de que uma educação básica de qualidade é a chave para a eliminação das distorções do ensino de terceiro grau e, antes disso, para o objetivo de qualificar a despreparada mão de obra brasileira. Mas, é de se perguntar, como seria possível dotar o ensino básico de qualidade sem professores qualificados, formados num ensino superior de qualidade. É claro que um não vai sem o outro.

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