domingo, setembro 16, 2012

A força do Direito Penal - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 16/09


“Direito penal é pesado, um direito forte, por isso é preciso cuidado e transparência ao usá-lo.” Com essa ideia trabalha a subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, que preside a Segunda Câmara, a criminal. Ela está às voltas com o combate a crimes que vão das violações de direitos humanos na ditadura ao trabalho escravo, à corrupção e aos crimes financeiros.

Uma conversa com Raquel Dodge é uma viagem pelos males, presentes e passados, do Brasil. A área da 2ª Câmara da Procuradoria Geral da República é espantosamente ampla e para cada tema há uma estratégia.

Para crimes da ditadura, foi criado um Grupo de Trabalho que tem submetido a diferentes juízes, de cada uma das cinco regiões do país, denúncias contra quem praticou crimes permanentes. Os desaparecimentos de adversários políticos no regime militar ocorreram antes da Lei da Anistia de 1979 e não prescrevem porque os corpos não foram encontrados. Já foram ajuizadas algumas ações. Duas foram aceitas no Pará e há dois réus. Outras serão apresentadas, uma delas em São Paulo.

— O Direito Penal é uma ferramenta para a garantia de direitos fundamentais e quando outros ramos do Direito não foram suficientes. O trabalho escravo é violação da lei pelo empregador, questão da Justiça do Trabalho. Mas é uma violação aguda, e um voto recente do ministro Joaquim Barbosa permitiu avanço importante. Em breve será possível ver esses criminosos na prisão — acredita.

Havia um conflito de competência sobre trabalho escravo, se era uma questão da Justiça Estadual ou Federal. O Supremo entendia que só é assunto federal quando interfere na organização geral do trabalho. Os condenados usavam isso a seu favor. Apanhados pela Justiça Federal alegavam que a competência era da
Justiça Estadual. Ou o contrário. A dúvida levava à impunidade. No voto de Joaquim ele concluiu que, se cabe à
União fazer a inspeção do trabalho, a competência de julgar os crimes é federal.

Há problemas que são de várias Câmaras. A solução foi criar um Grupo de Trabalho Intercameral. — Crime contra in-
dígenas reuniu a 2ª, que é a criminal; a 4ª, que é ambiental; e a 6ª, de minorias. Os procuradores vão atuar em questões como a dos índios Awá, no Maranhão, onde houve invasão de terra indígena, extração de madeira para fornos de siderúrgicas. Os Awá são considerados o grupo tribal mais ameaçado do mundo.

Num país com mais de 5.000 municípios, como combater a corrupção? A 2ª Câmara montou estratégia de atuação que em seis meses resultou em mais de 200 ações ao fiscalizar convênios de transferência voluntária para saúde e educação. O MP começou a puxar o fio da meada por um crime documental: o de não prestação de contas:
— É um crime desprezado, as pessoas pensam assim: mas o prefeito apenas não prestou contas. O nosso entendimento é que o que pareceria ser apenas descuido era indício de algo grave. E estamos descobrindo que a maioria não prestou contas porque o dinheiro recebido não foi usado na reforma da creche, no ambulatório, na escola, no que havia sido estabelecido no convênio.

Melhorar o Brasil é tarefa lenta e trabalhosa, mas há sinais de avanço. Há vários Grupos de Trabalho usando formas novas de atuação em 14 áreas prioritárias. Uma delas, a de crimes financeiros. A procuradora acha que o Judiciário está mais receptivo a crimes menos comuns, como o financeiro.

— Nossa preocupação também é em usar a tecnologia para investir em nossa transparência. O Direito Penal tem que ser usado de forma clara e nunca pode ser invocado levianamente, por ser, com disse, um direito forte.

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