quinta-feira, agosto 30, 2012

O voto de Peluso - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 30/08


Ministro se despede do STF com uma decisão dura contra os réus do mensalão; João Paulo Cunha é o primeiro político a ser condenado


O ministro Cezar Peluso despediu-se ontem do Supremo Tribunal Federal, após nove anos na corte e quase 45 como juiz. Encerrou sua participação com um voto rigoroso, como temiam os réus do mensalão, e foi homenageado pelos colegas, pelo procurador-geral da República e por advogados.

Como a maioria dos ministros do STF, Peluso votou pela condenação de cinco réus listados no item três da denúncia -entre os quais está o ex-deputado João Paulo Cunha (PT-SP), o primeiro político condenado por corrupção e peculato no mensalão. Como poucos, Peluso usou palavras duras para rebater argumentos da defesa.

Aos olhos do ministro, é "absolutamente inverossímil" a alegação de Cunha de que não eram propina os R$ 50 mil que recebeu quando presidia a Câmara dos Deputados. "O réu mentiu."

Além disso, Peluso reforçou a linha doutrinária desfavorável aos denunciados que já se delineava no STF. Afirmou que a corrupção se configura com o mero recebimento da propina -mesmo sem ato de ofício do servidor-, disse que o esquema foi alimentado com recursos públicos e defendeu o caráter comprobatório de indícios.

O teor do voto confirmou em parte o receio de petistas que tentaram atrasar o início do julgamento. A estratégia visava evitar a participação de Peluso, que completa 70 anos na próxima segunda-feira e se aposenta compulsoriamente (ao contrário do que se imaginava, porém, seu voto não foi decisivo para condenar Cunha).

A aposentadoria de um de seus ministros deixa o STF com apenas dez membros para terminar de julgar o mensalão, situação incômoda por possibilitar um empate nas votações. O embaraço é ainda maior porque não se sabe se, nessa hipótese, haverá favorecimento ao réu ou se o presidente da corte votará duas vezes para desempatar.

Essa indefinição, entretanto, é menos danosa que a antecipação da íntegra do voto de Peluso, como se chegou a cogitar. Afinal, todos os ministros têm analisado o processo de forma fatiada, e seria exceção indesejável um julgador antecipar-se ao relator e ao revisor.

Salta aos olhos, de todo modo, o caráter arbitrário da aposentadoria compulsória aos 70 anos, imperativo presente na Constituição. A favor desse mecanismo, em especial para o Judiciário, costumam-se apresentar dois argumentos: o Poder ficaria engessado com a permanência dos mais idosos em postos-chave; a idade avançada impediria o desempenho funcional.

São argumentos frágeis. Não resistem diante dos avanços da expectativa de vida no país, que, desde 1960, foi de 52,4 para 73,5 anos. Aos 70, muitos juízes estão no auge da experiência e da sabedoria.

A permanência de Peluso seria benéfica ao julgamento do mensalão, mas nesta altura já não há dúvida de que ele continuará sendo conduzido com imparcialidade e equilíbrio pelos demais ministros.

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