segunda-feira, agosto 13, 2012

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 13/08

Bom conselho

O que Beto Sicupira (AB Inbev), Pedro Passos (Natura), Laércio Cosentino (TOTVS) e Wison Ferreira Jr. (CPFL) aconselham a iniciantes?

"Acredite na sua empresa e sonhe alto. Dá o mesmo trabalho que sonhar pouco", diz Beto Sicupira.

Com a orientação de Sicupira e de outros mentores da Endeavor, ONG que promove o empreendedorismo, Wilson Poit transformou a Poit Energia, um negócio que faturava R$ 5 milhões em 2001, e que foi vendido neste ano por R$ 404 milhões.

O objetivo da Endeavor não é ajudar o empresário, sublinha Sicupira.

"O objetivo é a gente fazer [alavancar]. Pegamos os empresários que consideramos com muito potencial, mostramos que têm muito mais potencial do que acham, para ajudá-los a chegar lá", diz. "Aí a gente fica feliz porque vai usá-los de exemplo para todos aqueles que são pequenos empresários ou que queiram empreender."

São 400 executivos de vários setores na ONG, gente cujo aconselhamento não está à venda por preço algum.

O ambiente de relacionamento da rede não se limita a empreendedores, destacam executivos voluntários.

Mentores também conversam entre si e pedem conselhos, contrariando o ditado "se conselho fosse bom..."

PARA LIDAR COM CARÊNCIAS

"São poucos os que, quando muito pequenininhos, conseguem ter um sonho muito grande. Àqueles com capacidade, dizemos: você pode fazer muito mais e eu estou aqui para ajudar, contando uma porção de coisas que acontecem ao longo do caminho", diz Beto Sicupira, controlador da AB InBev, Burguer King, Lojas Americanas, entre outras empresas.

Foi ele quem trouxe em 2000 a Endeavor ao país.

"Começamos por ajudar a empresa a se estruturar. A primeira coisa é ter um contrato da sociedade bem feito. Quando vem o sucesso, é comum ter briga de sócio."

Os passos seguintes incluem: orientação de como avaliar pessoas, apresentação de clientes para o negócio, tecnologias, processos que deve usar.

A própria implementação da ideia é difícil. Quando consegue viabilizá-la, o empreendedor muitas vezes se perde ao crescer, por não identificar suas falhas, diz.

"Empreender é lidar com carências. O empreendedor descobre que tem o mercado, mas não tem o dinheiro para fazer o produto, ou não tem o conhecimento de como chegar lá. Algumas vezes, como com Steve Jobs, clientes nem sabem que têm o mercado, mas ele acredita que tenha. Mostramos onde há carência e como podemos colaborar."

Os mentores são escolhidos conforme as necessidades do iniciante. Pode ocorrer problemas de gestão, jurídico... E Sicupira, quando é acionado?

"Sou chamado quando dá encrenca", brinca. "Encrenca societária, ou quando a companhia tem um problema, precisa levantar dinheiro. Ou uma decisão que o empreendedor tenha de tomar, de venda, se há um sócio para entrar... Talvez por ter me envolvido em muitos negócios diferentes e passado por esses dilemas."

Quando "lá atrás" Wilson Poit teve a oportunidade de vender o negócio, de ter sócios, recomendou que não os tivesse. "Não precisava, podia continuar só. Às vezes, as pessoas ficam muito cedo entusiasmadas a pegar um dinheiro que aparece. Dá para levar sem dinheiro, disse, porque, afinal de contas, a vida de empresário é se apertar de vez em quando, não é?"

ESTAR ABERTO A MUDANÇAS

Pedro Passos, um dos fundadores da Natura, destaca a sensível passagem de pequena para média empresa.

"Deixa de ser a ideia do empreendedor para ser a de um grupo. Muitos podem empreender, assumir risco. É mais difícil encontrar bons formadores de pessoas em torno de um projeto", diz. Ao crescer, ele sai da zona de conforto.

"Uma pessoa técnica passa a ter de ser criativa, a fazer outras coisas." Para ele, deve-se ajudar a empresa a suprir fragilidades. "O empreendedor precisa aprender a querer pensar junto, a estar aberto, porque haverá uma transformação dele. E deve aprender a sonhar."

E ele, pensava que a Natura cresceria tanto? "Não a imaginávamos como é hoje. Fica um saudosismo da época em que era menor e acompanhávamos tudo."

NAMORAR INVESTIDOR

Do apagão, Wilson Poit tirou a ideia: alugar geradores.

"Em 2001, houve muita demanda, saímos muito na mídia e a Endeavor encontrou a história de alguém que morou até os 11 anos em casa sem luz. Aprendi na Endeavor que vale a pena fazer direito as coisas, mesmo quando a concorrência é desleal, a preparar a empresa para investidores, a ter gente boa no time. Como o Beto, visitei empresas no exterior para ver como faziam, além de focar em bater metas. Me orientaram a não fazer o primeiro negócio que aparecesse", diz. Em 2008, vendeu 35% da empresa por R$ 40 milhões para o BRZ. "Aprendi a namorar [investidores] e fazer negócios melhores." O plano era chegar ao IPO antes da Copa ou aceitar alguma oferta muito boa. Ela veio em março, com a venda para a Aggreko, por R$ 404 milhões (pode chegar a R$ 464 milhões).

"Comecei com um caminhão, um gerador e pensava em negócio menor. Não teria chegado aqui sem a Endeavor. São pequenas coisas que eles passam. Houve momentos em que conversava com mentores, como o Laércio, que diziam 'espera mais um pouco, faz isso primeiro, conversa com mais gente', e contavam experiências."

ACONSELHAR, ACOMPANHAR E DESAFIAR

Presidente da Totvs, Laércio Cosentino, que também começou como pequeno empreendedor, define em três verbos o trabalho de mentor.

"É sempre uma tentativa de aconselhar, acompanhar e desafiar. Compartilho meu conhecimento com outras empresas para que possam fazer, não a mesma coisa, mas observar o que deu certo e o que deu errado."

Sonhar grande é bom, porém, para sonhar o empreendedor precisa crescer, organicamente e por aquisições, afirma. "Cada vez mais, precisa ganhar musculatura para enfrentar o mercado", diz ele, que costuma ser chamado a opinar não só em casos de empresas da sua área, tecnologia, como também de varejo, distribuição e consolidação de mercado. "Passamos por 45 fusões e aquisições, nos últimos seis anos. Mas quando a Totvs foi abrir capital, eu também conversei com o Beto [Sicupira]."

Há 30 anos, quando começou, lembra, havia um mercado com pouca concorrência. "Hoje, é muito maior, mas há um capital muito mais próximo. É muito mais fácil."

O que recomenda: "precisa ter uma ideia e com, muita dedicação, as coisas acontecem." Quanto aos conselhos que dá, diz buscar a troca de experiências.

"Não há verdade absoluta, ou que se fizer o que a Totvs fez, o empreendedor será bem sucedido. O momento é outro, depende das pessoas."

BUSCAR MELHOR GOVERNANÇA

Wilson Ferreira Jr., presidente da CPFL Energia, tornou-se "padrinho" da Poit quando a empresa estava em fase de estruturar a governança corporativa.

A Endeavor acompanhou a montagem dos conselhos de administração e fiscal, além da contratação de auditoria independente.

"Muito dedicado, Poit viu que boa governança, traria valor." As conversas eram sobre conselhos, adequação de projetos, sustentabilidade, planejamento. "Tinha dúvidas e eu ajudava a dirimi-las."

Houve conselho difícil de dar, como no momento de decidir se era hora de vender. "Disse a ele que essa decisão é muito solitária. Me perguntou sobre o cenário para negócio cuja base é óleo e combustível. Acho que a tendência é de longo prazo, mas real, de mais energia renovável e menos fóssil."

Para o mentor, o conselho principal é acreditar no próprio negócio.

"Via no Wilson tanta vontade que o sucesso dependia dele. Tem de ter clareza absoluta nos mercados que vão ancorar sua empresa, dedicação e gente competente que se baseie em fatos e dados para tomar decisão."

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