quarta-feira, agosto 08, 2012

Lágrimas na pista - MARCELO COELHO

FOLHA DE SP - 08/08



omo choram esses atletas olímpicos! Dá para entender. Veja-se a coreana da esgrima, inconformada com sua desclassificação. Parecia alimentar-se das próprias lágrimas.

As favoritas no futebol feminino se dão mal: choram. O favorito na natação acaba com a medalha de bronze: chora de tristeza, chora de alegria depois.

Cair no chão na prova decisiva de toda uma vida --que ginasta não choraria depois disso?

Mas a questão talvez não se resuma à emoção daquele momento específico. O mais doloroso não é a derrota --que caiu, como uma flecha, exatamente no alvo, a saber, o momento exato, a hora exata, o dia exato. Também dói a consciência de se ver superado por alguém mais jovem; o campeão de Pequim já não está na mesma forma em Londres.

Tenta vencer, não os concorrentes, mas o tempo. E, na luta contra o cronômetro, está lutando também contra a contagem dos meses e dos anos.

Existe um belo texto sobre o atleta que começa a envelhecer; pelo que sei, não foi traduzido no Brasil. Está em "Les Olympiques", de Henry de Montherlant (1895-1972).

Homossexual "no armário" e direitista convicto, Montherlant adorava esportes, em especial futebol e corrida. Em "Les Olympiques", ele mistura textos em prosa, poemas e diálogos teatrais curtos.

Em geral, tudo gira em torno da relação de um futebolista mais velho (ele mesmo) com os aprendizes do juvenil. Suores, coxas brancas quando o short fica mais arregaçado, a "máscula intimidade" do vestiário, as coisas vão por aí.

Há espaço até para um poema sobre a chuteira usada. No meio disso, muita misoginia: por várias páginas, Montherlant desembesta o ódio pela mãe do seu pupilo preferido. Não é o homossexualismo, claro, que dá a esse livro um aspecto doentio. A morbidez nasce do mal-estar de Montherlant diante do seu próprio desejo; da tentativa de negá-lo, disfarçá-lo, desviá-lo para outros fins.

Entram aí, por exemplo, a nostalgia da camaradagem militar, o elogio da disciplina e da severidade, o horror ao carinho da família. Sobretudo, a ideia da "aceitação".

O verdadeiro esportista aceita a realidade, diz Montherlant. Aceita o técnico que dá instruções obviamente erradas. Aceita o juiz que, por dez vezes, marca faltas inexistentes. O jogo é a ordem, a regra, o inelutável.

Montherlant lembra a célebre frase de Goethe, para quem muitas injustiças são ainda preferíveis a uma única desordem.

Como tantas frases desse tipo, trata-se de uma abstração. A questão é saber quais injustiças e qual desordem, na prática, estão sendo postas na balança. O problema objetivo desaparece, entretanto, quando o que está em pauta é a personalidade de quem a pronuncia --e o quanto de ordem essa pessoa precisa para domar seu próprio tumulto.

Melhor deixar isso de lado e acompanhá-lo numa pista de corrida.

Uma jovem aristocrata, Mademoiselle de Plémeur, era recordista na sua modalidade. Aos 24 anos, já não consegue manter as mesmas marcas. Desiste; quer depois voltar aos treinos. A cada corrida, seu tempo aumenta em vez de diminuir.

"Ela cruzou por mim, a cabeça de lado, já trazendo em seu rosto o cansaço, a dor, um ser profundo que eu não conhecera até então."

Montherlant diz que poderia marcar com uma pedrinha na pista "o lugar exato em que sua força falhou, recusou-se a continuar; onde tudo se tornou apenas uma questão de vontade, de energia, de cólera; onde não era mais o seu corpo que corria mas sim a alma --uma alma sozinha, um sopro que seguia a pista como um fogo fátuo que segue o rio".

A experiência se transporta para outro texto, onde é o próprio narrador quem se vê ultrapassado na corrida por um rapaz mais jovem. Fica impossível alcançá-lo. É como se existisse "uma massa de ar comprimido a nos separar".

O que fugia à sua frente "era tudo o que existia em mim e que já fora quebrado, que adormecera e não despertaria de novo, que tinha florescido e não floresceria nunca mais". A autopiedade não convém, entretanto, a Montherlant. A derrota é feia, diz ele. O atleta, o vencedor, é egoísta e puro.

Num jogo de futebol improvisado, Montherlant jogou sem uniforme. Aconteceu-me, conta, de passar a bola a meus adversários. É a volúpia, dizia ele em 1938, de contribuir para a derrota do próprio time. Não por acaso ele gostou dos alemães, quando invadiram o seu país dois anos depois.

Como sempre, é bom tomar cuidado quando choramos demais as nossas derrotas.

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