sábado, agosto 18, 2012

Enquanto houver demandas - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 18/08


O Judiciário é um Poder constitucional, integrado à estrutura de governo. Ele administra a Justiça


USO "DEMANDAS", no título, com o sentido de processos nascidos de uma pretensão resistida e, por esse motivo, submetidos ao Judiciário para a definição da Justiça oficial. Aplica-se a todos os ramos da ciência jurídica, tendo no direito processual o caminho de acesso do dar razão a quem a tenha. A definição, no processo judicial, é compatível com a busca do resultado justo.

Enquanto houver demandas, com intervenção do Poder Judiciário, as regras do direito serão indispensáveis. Indispensabilidade até para avalizar acordos em acertos livres ou encaminhados entre a parte reclamante e a resistente -quando o juiz ponderar a respeito dos prós e contras. É aí que um ou mais juízes são convocados para decidir, na composição entre o público e o privado.

Há muitos anos, numa posse no Tribunal de Justiça de São Paulo, um dos oradores disse que a política nunca entra na avaliação do magistrado. Confesso que me surpreendi com o despropósito do pronunciamento. Basta pensar que o Judiciário é um Poder constitucional, integrado à estrutura de governo. Ele administra a Justiça. Atua no espaço entre os outros Poderes e o povo. Nesse universo, o sistema democrático tem, na magistratura, um de seus elementos políticos essenciais. É a regra sacrificada, por exemplo, quando esquecido o calote dos precatórios e dos pagamentos pelo Poder Executivo, retardados com o abono do Judiciário. Ainda uma vez sacrificada, como se leu do noticiário, para saldos milionários atribuídos a juízes vinculados aos próprios tribunais pagadores, até por presidentes seus, em detrimento de colegas menos favorecidos. É um lado ruim da política.

Concurso de ingresso, caminhada na carreira, escolhas de sedes para o trabalho de magistrados, promoções, fiscalização disciplinar e eventuais punições são exemplos de típico caráter político tanto quanto nos dois outros componentes da divisão tripartida do setor público. Caráter que, portanto, não é só do Legislativo e do Executivo. Bastaria lembrar as interferências na nomeação e nas promoções para detectar a política na vida do juiz.

Não vejo mal na satisfação do impulso normal nas interferências políticas no dia a dia da carreira judicial. Quando, porém, os fatos se apartam do realizar o direito, na exacerbação da autovantagem ou na troca de favores, ainda que sem significado econômico-financeiro, o Poder Judiciário pratica a política ofensiva de seus fundamentos. Sacrifica a administração pública e mata a justiça o ato do juiz quando, por interesse pessoal, por receio de desagradar o poderoso, na busca da vantagem material, aparta-se do fazer justiça, sua meta essencial. O poder de decidir demandas é estreitamente vinculado ao dever de bem satisfazer o impulso ético, que há de presidir os caminhos da magistratura na tarefa clássica de dar a cada um o que é seu.

Este momento é importantíssimo na história da nação brasileira. O superlativo é satisfatório para o mergulho, de corpo e alma, no realizar a justiça. Por incrível que possa parecer, nada expressará mais claramente esse mergulho do que a tomada de consciência da missão que distingue o Judiciário dos outros Poderes: a verdadeira justiça, na política irretorquível e preponderante do justo.

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