domingo, agosto 05, 2012

Cidadãos reféns - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 05/08


A soma de tibieza do poder público mais irresponsabilidade de certas categorias profissionais tem dado ocasião a um tipo de protesto trabalhista que vai muito além da suspensão do trabalho prevista em lei: trata-se do bloqueio deliberado de avenidas e rodovias importantes, asfixiando a livre circulação de pessoas e mercadorias e prejudicando indistintamente todos os cidadãos. O último episódio do gênero foram as manifestações de motofretistas que, em questão de minutos, trouxeram o caos a São Paulo e Rio de Janeiro.

No caso da capital paulista, na quinta-feira passada o congestionamento beirou os 150 quilômetros quando os motoqueiros fecharam parte da Paulista, da Brigadeiro Faria Lima, da Rebouças e da Marginal do Pinheiros. Em alguns pontos da marginal a fila superava 7 quilômetros e o bloqueio só foi desfeito quando a polícia usou bombas de gás lacrimogêneo. No Rio, o centro da cidade também travou.

Os motoboys protestavam contra a resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que impôs normas mais rígidas para o exercício de sua profissão, cuja vigência estava prevista para começar na sexta-feira. O maior problema, na visão dos motoqueiros, era a exigência de um curso de capacitação, sem o qual eles não podem obter sua licença municipal. A questão é que o curso só podia ser ministrado pelo Detran, pelo Serviço Social do Transporte (Sest) ou pelo Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) e essas entidades não tinham condições de fornecer vagas em número suficiente para suprir a demanda. No mês passado, o Estado mostrou que apenas 2% dos motoboys haviam conseguido fazer o curso e seria impossível para todos os demais atender à exigência no prazo estipulado.

Como se nota, a reivindicação dos motoboys não era injusta - ao contrário: a situação só reafirmou a incúria dos administradores públicos, que fazem exigências aos cidadãos, mas não lhes dão condições de cumpri-las. Por isso, o Contran viu-se obrigado a adiar, pela terceira vez, o prazo para iniciar a fiscalização do respeito às normas. Agora, os motofretistas terão até fevereiro de 2013.

É interessante observar, todavia, que nem bem o protesto em São Paulo havia terminado, o Ministério das Cidades corria a anunciar o novo adiamento da vigência das regras, como a premiar os vândalos. Nenhuma mísera palavra de censura oficial à atitude truculenta dos motoboys foi dita, de modo que não será surpresa se eles voltarem a infernizar a cidade qualquer dia desses para impor sua agenda de reivindicações.

O mesmo pode-se dizer dos caminhoneiros autônomos que, entre o final de julho e o início de agosto, paralisaram a Rodovia Dutra, a principal do País, para protestar contra uma nova regra que exige descanso mínimo de 11 horas a cada 24 horas. Nesse caso, eles contaram com a camaradagem de policiais rodoviários interessados na crise, porque eles também estão reivindicando melhorias de trabalho.

Sem entrar no mérito do que exigiam os caminhoneiros, o fato é que o bloqueio, que durou uma semana, causou transtornos generalizados e houve violência. Ônibus de passageiros, caminhões com produtos perecíveis e ambulâncias com pacientes ficaram presos no congestionamento que, em alguns momentos, passou de 30 quilômetros. Além disso, como 90% dos caminhões que abastecem a região metropolitana do Rio estavam presos na Dutra, o preço de determinados alimentos disparou - um exemplo foi o da saca da batata na Ceasa-RJ, que subiu de R$ 40 para R$ 100.

A moda pegou e, na última quinta-feira, funcionários da General Motors bloquearam a Dutra, diante da fábrica da montadora em São José dos Campos, por cerca de uma hora. Foi um protesto contra a ameaça de demissão de cerca de 1.500 funcionários. Houve congestionamento de até 13 quilômetros. Também nesse caso, nada aconteceu com os manifestantes.

O direito de greve é indiscutível - consta da Constituição, em seu artigo 9.º. Cassar o fundamental direito alheio de ir e vir, no entanto, é inadmissível abuso, e o Estado não pode ignorar essa violência, ou pior, dela ser cúmplice.

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