sábado, agosto 18, 2012

Amores clandestinos - IVAN MARTINS

REVISTA ÉPOCA

Por que homens e mulheres lidam com isso de forma tão diferente

Tenho uma amiga que virou a outra. Eu a encontrei no fim de semana, depois de um longo tempo, e ela imediatamente começou a falar sobre o que a afligia: faz um ano, está saindo com um homem casado, que a faz “sofrer como o diabo”. “Estou cansada de acordar chorando”, ela me disse, logo de cara.

Os contornos do caso são clássicos. Os dois fizeram faculdade juntos e se encontraram no trabalho, 10 anos depois. Ela estava carente e resolveu ceder às cantadas dele, apesar da aliança no dedo. “Queria uma transa gostosa, uma aventura”, me disse. Acabou não sendo assim. As saídas foram se repetindo, ela se percebeu apaixonada e o sujeito, que antes a cobria de atenções, agora só aparece “quando quer”. “Não tenho a menor ilusão de que ele vá largar a mulher”, ela me disse. “Nem tenho coragem de mandá-lo embora.”

Antes que alguém pergunte, eu não vou julgar nenhum dos dois. O que a amiga e o sujeito fazem é da conta deles. Gente casada, de acordo com o costume vigente, não deveria estar mantendo casos, mas acontece o tempo todo. Gente solteira, em tese, não deveria estar saindo com pessoas casadas, mas isso existe aos montes. Não é culpa dele ou dela, especificamente. Ninguém tampouco é inocente. Todos são adultos com poder de escolha, embora movidos pelo desejo. O desejo mantém as pessoas vivas, mas tem suas exigências. Solto, pode causar um bem íntimo enorme, ou um dano público extraordinário. Se o amante da amiga for descoberto, a vida dele viraria um inferno. Se a mulher enganada vier saber, vai sofrer terrivelmente. E há os filhos... A punição social para quem viola as normas de conduta pode ser pesada.

Minha amiga, porém, não parece preocupada com as consequências do caso, mas com a sua continuidade. Ela gostaria que o sujeito estivesse com ela no domingo de manhã. Como não é possível recuperar o arrebatamento e a atenção do início da relação - afinal, mesmo os amores clandestinos arrefecem - ela quer ao menos a companhia constante do sujeito. Gostaria de conversar, brigar, ver televisão, ir ao cinema na noite de sexta, transar na manhã de sábado. Quer fazer coisas de marido e mulher, de namorada. Deseja algum status público. O problema é que o rapaz já tem mulher. Não pode, e provavelmente não quer ter outra. Ele está deixando claro que deseja uma amante. A minha amiga vai ter de entender.

Posso estar cercado de machos insensíveis ou hipócritas, mas duvido. Também não me parece que os homens tenham menos necessidade de afeto do que as mulheres. Um sujeito casado que se dá ao trabalho de arrumar amante fixa é faminto de amor, não indiferente a ele. Um homem solteiro que corre o risco de sair com uma mulher casada, quando há no mundo tantas mulheres disponíveis, é um romântico, ainda que não saiba. Logo, me parece que a diferença não está na afetividade. Se ela fosse homem seria mais fácil. Homens ficam mais confortáveis na posição de “outro”. Casados ou solteiros, desfrutam a clandestinidade e respeitam as suas limitações sem queixas. Nunca - eu repito, nunca - ouvi um sujeito reclamando da impossibilidade de encontrar a amante na noite de sexta-feira. Ou do sofrimento de acordar sozinho no domingo. Para os homens, cada coisa é uma coisa. Se a mulher é casada, se encontram quando é possível. Se ele é o casado, vale a mesma cautela. Com emoção, com taquicardia, mas sem drama.

Quando o assunto é amantes, o que distingue os homens em geral das mulheres em geral é que elas parecem ver a situação como transitória. Elas acreditam que o homem está amante, encubando um futuro marido ou namorado. Os homens, enquanto isso, parecem ver na amante uma forma pronta, satisfatória tal como ela é. Casado ou solteiro, o sujeito que tem uma amante parece tranquilo com a situação.

A mulher também começa feliz, como a minha amiga, mas logo se inquieta. Fica apaixonada ou, de forma mais mesquinha, sente-se preterida ou humilhada com a situação. No fim, pressiona por mudanças. Se for casada, é capaz de cobrar que o sujeito proponha algo mais sério, mesmo que seja para dizer não, alarmadíssima. Essa diferença de expectativas não impede que relações clandestinas se estendam por anos, mas cria, no interior delas, dois tipos de pessoas: homens satisfeitos e mulheres tristes, ou ressentidas.

Talvez as mulheres nessa situação devessem aprender alguma coisa com os homens. Eles relaxam e desfrutam. Vivem o momento que se apresenta. Não é um jeito ruim de lidar com situações precárias, furtivas e provavelmente transitórias. Gostosas, ademais. Não podemos perder de vista que essas relações começam invariavelmente por causa de sexo. Se elas continuassem e terminassem assim, como sexo, qual seria o problema?

A grande pergunta, claro, é por que gente adulta se mete em situações com as quais não consegue lidar - e por que não caem fora quando se percebem incomodadas ou infelizes.

Eu não sei, e acho difícil que alguém consiga entender sem conversar longamente com os envolvidos. Cada caso é um caso, cada casal é um casal, embora coletivamente o final seja previsível: posto contra a parede, o homem casado choraminga e volta para o seio da família. Ou a mulher casada que, mesmo sem ser pressionada, decide que é hora de acabar com a aventura que pode destruir seu casamento. Há exceções a essa regra, (todo mundo conhece pelo menos uma), mas eu duvido que as estatísticas sejam animadores para as mulheres que pretendem converter o amante de hoje em marido de amanhã. Em geral, garotas, ele não está interessado.

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