segunda-feira, julho 23, 2012

É eficiente? - HELDER REBOUÇAS


O Globo - 23/07


Ronald Dworkin, jurista americano, publicou, em 1977, a obra "Taking Rights Seriously", que nos traz, dentre outras coisas, uma reação ao uso da discricionariedade na aplicação das normas, sobretudo quando se supõe que há "lacunas" na lei. O autor procura mostrar que, se quisermos levar o direito a sério, devemos aplicá-lo com base nas regras e princípios do sistema jurídico, e não a partir das nossas razões subjetivas. Vejamos como isso se aplica ao caso do contingenciamento orçamentário.

A Lei Complementar n 101, de 2000, a LRF, admite o contingenciamento de despesas somente quando for verificado, ao fim de um bimestre, que a receita estimada não será realizada, podendo comprometer a meta de superávit do governo. Logo, a motivação dos decretos de contingenciamento é a perspectiva de frustração da receita orçamentária que possa deteriorar as metas fiscais. Com isso, as prognoses de que haverá queda nas receitas devem ser muito bem fundamentadas, sob pena de invalidar o ato que promoveu o contingenciamento. Em vários governos, pode-se demonstrar que as prognoses de frustração das receitas não têm se confirmado. Aliás, para o professor Gilmar Mendes, ministro do STF, não é tarefa estranha ao Judiciário avaliar a adequação das prognoses das normas, no controle de constitucionalidade.

Além disso, a administração pública federal tem utilizado, no contingenciamento, outras motivações distintas da expectativa de frustração de receitas, indicada na LRF. Por exemplo, em 2012, o Decreto n 7.680, de 17 de fevereiro de 2012, contingenciou R$ 55 bilhões, quando a expectativa governamental de declínio nas receitas era de apenas R$ 29,5 bilhões. Essa prática não é nova, tendo em vista que o Tribunal de Contas da União, no exame das contas do governo de 2007, apontou que, em vários exercícios financeiros, o contingenciamento decorreu, não apenas da "frustração" das receitas, mas da criação de despesas, do pagamento de compromissos de exercícios anteriores e da elevação da meta fiscal.

Em 2007 o economista Alexandre Manoel Ângelo, do Ipea, mostrou uma série de distorções econômicas e de gestão pública, causadas pelo acúmulo de "atrasos" nos pagamentos de despesas públicas, para o qual muito contribui o contingenciamento. Caberia, no mínimo, aferir se o modelo vigente de contingenciamento atende ao princípio constitucional da eficiência.

É dada ainda ao administrador grande margem de liberdade para escolher quais despesas serão preservadas ou "cortadas", porque o decreto de contingenciamento efetua limitações por ministério, e não por programas. Em cada pasta, portanto, o gestor define quais programas governamentais serão sacrificados ou não. Assim, resta avaliar se tais escolhas passam minimamente por um critério de racionalidade, sob pena de estarem minando até mesmo objetivos de governo.

No Estado democrático, paradigma a que se filia a nossa Constituição, resta imprópria a terminologia discricionariedade, porque o administrador público sempre estará vinculado a princípios constitucionais. No caso do contingenciamento orçamentário, isso significa que as escolhas de cortes deverão estar corretamente motivadas e não prejudicarão políticas públicas estratégicas. Levar o contingenciamento a sério, enfim, implica a aplicação correta da Lei de Responsabilidade Fiscal, com base nos princípios constitucionais que orientam a administração e as finanças públicas. Do contrário, longe do que ensina Dworkin, o contingenciamento deixará de ser importante mecanismo de gestão fiscal, para se transformar em simples ato de vontade do administrador.

Nas futuras discussões sobre diretrizes orçamentárias no Congresso Nacional, se deveria debater sobre os limites à discricionariedade do contingenciamento, melhorando a gestão financeira da União e a própria qualidade da despesa pública, fortalecendo as estratégias atuais de redução consistente das taxas de juros e de retomada dos investimentos

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