segunda-feira, junho 18, 2012

Lula, a antítese - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 18/06

Nunca se viu a classe política tão cabisbaixa como no governo Dilma Rousseff. A cada pesquisa de opinião que sai do forno, deputados e senadores se sentem menores. A oposição, que até a gestão de Fernando Henrique Cardoso era o escoadouro de insatisfações para com o governo federal, hoje parece não cumprir mais esse papel. Tanto é que, seja nos partidos políticos, seja no imaginário popular, quando algo começa a dar errado com a presidente da República ou sua equipe, todos procuram logo o ex-presidente Lula.

Mesmo no período em que Lula convalescia, seu telefone não parou de tocar. Houve inclusive uma temporada em que o Hospital Sírio-Libanês mais parecia um bureau político do que um local destinado exclusivamente a atendimento médico. Qualquer político de primeira grandeza no cenário nacional que passasse por lá dava uma paradinha pra ver Lula. Se era assim no período de convalescência, imagine agora que os médicos tiraram o catéter e declaram o ex-presidente curado.

A aposta geral é a de que Lula não largará mais a ribalta e terá papel de recepcionar os descontentes com Dilma. Ele considera que o balanço de seus atos é positivo, ainda que haja rusgas no próprio PT em função das suas atitudes, como no caso do Recife, onde o prefeito João da Costa insiste em ser candidato à reeleição contra a vontade do ex-presidente.

Por falar em recepção…
A verdadeira estreia de Lula pós-tratamento do câncer será nesta quarta-feira, na Rio+20. Na cena em que Dilma Rousseff se prepara para se apresentar como a salvadora do documento O futuro que queremos — já apelidado de “o passado que sempre tivemos”, por causa das dificuldades de acordo em torno do texto —, quem promete tomar conta do evento é Lula. Com uma vantagem: como ex-governante, deixa subentendido que as falhas se devem a quem o antecedeu ou sucedeu. E conquista corações e mentes ao dizer que “a maior carência no mundo de hoje é de vontade política de nossos governantes”. Refletirá assim as dificuldades dos países de construir o documento síntese da conferência.

Obviamente, Lula faz ressalvas sobre “a vontade política de dezenas” ao se referir a um “rumo de desenvolvimento na África, na Ásia e na América Latina, onde centenas de pessoas começam a ter uma vida melhor”. Aí, claro, ele se inclui sem precisar citar as realizações de seu governo. E, de quebra, ainda deixa transparecer que, se algo falhar, a responsabilidade é de quem está no poder. Ou seja, se coloca como solidário de quem cobra medidas mais ousadas sem precisar se responsabilizar pelo cumprimento delas. Como nos velhos tempos em que o PT era apenas oposição, sem levar muito em conta detalhes e contratos que devem ser cumpridos por quem está no comando.

Por falar em comandar
Rio+20 à parte, quem acompanha os movimentos de Lula e a forma como ele se solidariza com todos os grupos sai com a impressão de que ele, embora se sinta responsável por Dilma, sempre deixa claro aquilo que discorda da administração dela. Foi assim quando da briga com o PMDB pela liberação das emendas. Ou seja, Lula, ao mesmo tempo em que é o mentor do governo, ocupa também o papel de sutil oposição a ele. Cada vez mais ocupa o espaço de antítese de Dilma — a mulher de classe média estudiosa versus o trabalhador talentoso, a durona versus o bom de papo com os políticos.

Quem entende do traçado e enxerga a política longe, percebe que o PT trabalha em duas frentes: enquanto Dilma recolhe votos na classe média que votou no PSDB em 2010, Lula mantém os mais pobres e a classe política com saudades do jeito dele de abrir as portas do governo aos aliados. Assim, um vai compensando o que o outro perde e o espaço da oposição vai se reduzindo. Não por acaso o PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, nasce do DEM e vira independente. Afinal, enquanto o PT com o charme de Lula e a imagem de durona de Dilma estiverem ocupando dois terços do cenário político, sobra pouca margem de manobra e de sobrevivência na oposição. No momento, os dois dominam o palco como dominarão a Rio+20, a principal vitrine desta semana. Vamos acompanhar.

O ex-presidente aproveita a Rio+20 para marcar seu retorno à ribalta da política. E vem cada vez mais claro como um contraponto a Dilma. Enquanto a presidente conquista a classe média, ele se coloca como receptáculo das insatisfações políticas e tenta segurar parte daqueles decepcionados com o PT

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