segunda-feira, junho 18, 2012

Fósforo riscado em paiol de pólvora - PAULO GUEDES

Revista Época 


Mais e mais, percebe-se que a grande crise contemporânea é um fenômeno sistêmico, não uma acidental e imprevisível derrapagem da economia global. Só analistas ingênuos acreditam que a quebra do Lehman Brothers foi a causa do colapso financeiro sofrido pela economia americana em 2008-2009, arrastando o mundo para uma grande recessão. Já era claro para analistas atentos que o excesso de endividamento permeava todo o universo financeiro após anos de expansão abusiva do crédito. A quebra do Lehman foi apenas um dos inúmeros gatilhos que poderiam fazer disparar a ameaça de contágio bancário. Qualquer fósforo riscado num paiol de pólvora o faria explodir. Na verdade, os financistas quebraram os bancos com uma formidável farra do crédito à base de alavancagem excessiva.

Da mesma forma, do outro lado do Atlântico, políticos europeus quebraram os governos e congelaram seus mercados de trabalho com as práticas populistas, obsoletas e financeiramente irresponsáveis de socialistas e social-democratas. Só os mesmos ingênuos analistas acreditam que a quebra da Grécia é a causa do colapso financeiro sofrido pela economia europeia em 2011-2012. A quebra da Irlanda, a de Portugal e a da Grécia, como um rastilho que agora chega à Espanha e à Itália, ameaçando derrubar em cadeia o sistema bancário europeu, são manifestações de um fenômeno maior. Na verdade, a emergência do euro como moeda continental estimulou a expansão excessiva do crédito e acabou desnudando sistemáticos abusos da classe política europeia contra os orçamentos públicos.

Agora quem pede água é a Espanha. As estimativas de socorro financeiro para evitar o colapso do sistema bancário espanhol estão em torno de € 100 bilhões. O que não é muito, e deverá ser concedido, quando se considera que a Espanha é a quarta maior economia da Zona do Euro. A Irlanda tomou € 85 bilhões em 2010, Portugal recebeu € 78 bilhões em 2011. E a Grécia levou € 110 bilhões em 2010, mais € 130 bilhões em 2012. Enquanto a Espanha tem promovido austeridade e reformas, a esquerda radical grega ameaça deixar o euro se vencer as eleições neste domingo.

O sistema financeiro europeu é uma cobra que engoliu o próprio rabo. Os bancos não podem mais comprar títulos públicos para rolar dívidas dos governos nacionais porque os riscos soberanos em alta trazem pesadas perdas de capital ao sistema financeiro. E os governos nacionais não podem mais socorrer seus bancos porque fariam disparar ainda mais seus riscos soberanos e os custos de rolagem de suas dívidas públicas. Suas finanças já foram exauridas por décadas de demagogia social-democrata.

O agravamento da crise europeia tem sido atribuído exclusivamente à adoção de uma moeda continental. Mas a armadilha social-democrata do baixo crescimento, com regimes previdenciários irrealistas e legislações trabalhistas anacrônicas, foi produzida por décadas de práticas políticas obsoletas. Tornando inflexíveis os mercados de trabalho, a euroesclerose socialista estilhaçou o maior mercado potencial do planeta em imensos bolsões “nacionais” de desemprego. A balcanização econômica da Europa e a insatisfação de eleitorados nacionais com a estagnação da produção e do emprego apenas se tornaram visíveis com a emergência do euro ao status de moeda forte.

Essa armadilha de baixo crescimento resulta da falta de sintonia de classes políticas nacionais com os requisitos de uma nova ordem global. Ela aprisionou a economia europeia e a condenou ao crescimento medíocre e à incapacidade de gerar empregos. Crítico contumaz de uma adoção global do capitalismo, que considera uma singularidade histórica anglo-saxã de consequências desastrosas para o resto do mundo, o filósofo e cientista político britânico John Gray julga irreconciliáveis as contradições entre as práticas políticas social-democratas e as práticas econômicas de livres mercados globais.

O esfriamento da economia brasileira tem sido atribuído ao aprofundamento da grande crise contemporânea. Seríamos vítimas do fenômeno da desaceleração econômica global. Estariam contribuindo para a frustração de nossas expectativas de crescimento a frágil recuperação da economia americana, o esfriamento das demais economias emergentes - novas fronteiras de crescimento da economia mundial - e, principalmente, o buraco negro da Zona do Euro. Após forte desaceleração econômica ao longo de 2011, o Brasil encerrou o primeiro trimestre de 2012 com a economia praticamente estagnada. Estaríamos sofrendo os efeitos de uma sincronização com a crise global.

Na tentativa de conter os impactos externos sobre nossa dinâmica de crescimento, o governo deflagrou novos rounds de políticas macroeconômicas expansionistas. Reduziu os impostos e baixou as taxas de juros para estimular a economia. A desvalorização do dólar dá um empurrão às exportações e atenua os estragos da onda de importações sobre a produção nacional. Espera-se, em consequência, maior ritmo de atividade econômica no segundo semestre.

Mas nossa desaceleração econômica tem um componente estrutural. Não é possível bombar a economia simplesmente à base do crédito fácil. O importante é garantir o crescimento contínuo da produtividade, aumentando a vantagem competitiva do país e das empresas brasileiras. Não é possível bombar a economia expandindo gastos públicos indefinidamente. O importante é ampliar os investimentos e as exportações, garantindo nossa integração competitiva à economia mundial. É preciso reduzir e simplificar os impostos, investir em infraestrutura e logística, para reduzir o Custo Brasil. É preciso estimular o empreendedorismo e as inovações, acelerar os investimentos em educação e novas tecnologias.

Como adverte o prêmio Nobel de Economia Douglass North, em Compreendendo o processo das mudanças econômicas (2005), “o requisito básico para escapar do baixo desempenho econômico é o claro entendimento de que se origina de instituições deficientes, que, por sua vez, resultam de crenças e percepções inadequadas diante de uma nova realidade. A estrutura institucional existente é um poderoso obstáculo às necessárias mudanças, pois reage em defesa de interesses adquiridos”. Precisamos combater os grupos de interesses estabelecidos com reformas institucionais modernizantes.

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