quarta-feira, junho 13, 2012

Europeus querem reservas em reais - CRISTIANO ROMERO


Valor Econômico - 13/06


O governo recebeu recentemente consultas de países europeus e de um dos Brics, provavelmente, o maior deles, a China. Eles manifestaram interesse em aplicar parte de suas reservas internacionais no Brasil. Na opinião de autoridades brasileiras, essas consultas mostram que o humor lá fora em relação ao país, que começou a azedar em março e abril, quando o real sofreu forte e rápida desvalorização frente ao dólar, melhorou.

A aplicação de reservas se dá por meio da compra de títulos soberanos. A crise vivida pela Europa, neste momento, decorre da desconfiança dos investidores quanto à capacidade de alguns governos de honrar seus compromissos externos. O interesse desses países em comprar papéis emitidos pelo Tesouro Nacional brasileiro mostra que, hoje, não existe essa desconfiança em relação ao Brasil ou, se existe, é pequena.

Trata-se, evidentemente, de uma mudança de paradigma. Depois da crise da dívida, em 1982, o Brasil passou mais de 20 anos tentando provar ao mundo que era capaz de pagar suas obrigações. O problema assola neste momento nações ricas que, em várias oportunidades, impuseram ao país, por meio do Fundo Monetário Internacional (FMI), medidas drásticas de ajuste que, hoje, se negam a aplicar em suas próprias economias.

Humor externo com o Brasil melhora, na opinião do governo

A melhora recente da percepção do Brasil está relacionada à normalização do mercado de câmbio. Em meio ao agravamento da crise mundial e ao consequente aumento da aversão dos investidores a risco, a desvalorização do real foi decisiva para criar a ideia de que também o Brasil estava em crise. O Banco Central (BC) percebeu isso e passou a intervir no mercado de câmbio, evitando um desnecessário descolamento do real, nas palavras de uma fonte oficial, do "movimento internacional".

Antes daquele momento de estresse, o investidor estrangeiro estava mais otimista com o país que o doméstico, como atesta o ex-ministro Antônio Palocci, cuja empresa de consultoria vem atendendo grandes grupos internacionais interessados em investir no Brasil, apesar da crise mundial.

"De fato, os estrangeiros estavam mais otimistas, mas, com a desvalorização do real, juntou tudo e ficou todo o mundo pessimista. Agora, a normalização do câmbio ajuda a melhorar o humor", pondera uma autoridade da área econômica.

A preocupação de Brasília neste momento é justamente mostrar que a economia não está em crise e que, embora esteja crescendo muito lentamente, está bem posicionado para enfrentar a turbulência e crescer mais rapidamente quando a situação no mundo se normalizar. "O Brasil está bem posicionado: tem um fiscal forte, inflação em queda, um bom volume de reservas cambiais, liquidez em reais, a moeda andando com as outras moedas", comenta uma fonte graduada.

Nos próximos dias, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, levará essa mensagem durante encontros no exterior - entre os dias 21 e 24, estará na Suíça para reuniões do BIS (Bank for International Settlements). Nas conversas, deixará claro a forte posição fiscal brasileira, com destaque para a queda da dívida pública líquida - de 60,4% do PIB em 2002 para 35,7% do PIB em 2012 (estimativa) -, a manutenção do superávit primário nas contas públicas em 3,1% do PIB em pleno ano de crise e a geração de um déficit nominal de 2,6% do PIB em 2011, maior apenas, entre as maiores economias do planeta, que os da China, Alemanha e Rússia.

Internamente, a presidente Dilma Rousseff está cobrando da equipe econômica medidas para o médio prazo. A preocupação é com 2013 e 2014, o que mostra que ela já tem consciência de que 2012 é página virada, em termos de crescimento. No fundo, Dilma pressiona seus auxiliares a pensarem o pós-crise.

"Com essa conjuntura internacional adversa, as empresas investem menos, o consumidor toma menos crédito, os bancos emprestam menos (emprestam mais, mas numa velocidade menor). Há um comportamento mais defensivo e uma defasagem entre nossas políticas e o que acontece na economia real", explica um economista do governo. "Estamos crescendo menos por causa do ambiente, mas não estamos em crise."

Boa parte dos efeitos das medidas de estímulo adotadas até agora - redução dos juros, diminuição de IPI, aumento da oferta de crédito, desoneração da folha de pagamento das empresas - só aparecerá adiante. A recuperação tem sido mais lenta que em crises anteriores, mas a questão é justamente esta: a crise não acabou lá fora, muito pelo contrário.

O Palácio do Planalto trabalha com a ideia de que três aspectos travam o crescimento: os juros altos, o câmbio apreciado e a carga tributária. No caso dos juros, o BC já cortou 400 pontos-base desde agosto de 2011 e promoverá pelo menos mais um corte de 50 pontos na próxima reunião - é bem provável que não pare por aí, mas a intensidade e o ritmo dos próximos movimentos ainda serão definidos, a depender da conjuntura internacional.

Ainda na seara dos juros, os spreads bancários também têm sido reduzidos e o próximo passo do governo será forçar, via bancos públicos, a diminuição das tarifas bancárias. A preocupação é com os custos das empresas com modalidades relevantes de crédito, como o capital de giro. No caso do câmbio, o governo está "confortável" com o patamar atual, de R$ 2,00.

Quanto aos impostos, o governo quer, além da desoneração da folha de pessoal de alguns setores, a simplificação do sistema (os empresários se queixam constantemente à presidente da complexidade do regime tributário nacional) e a redução da carga incidente sobre energia. No que diz respeito ao último aspecto, como a diminuição da carga depende em grande medida dos Estados, que cobram alíquotas elevadas de ICMS, o governo está disposto a oferecer, em troca da redução das alíquotas, a possibilidade de adoção de um novo indexador para a correção das dívidas estaduais com a União. Seria uma troca.

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