domingo, junho 17, 2012

Dentro da Sumaúma - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 17/06


O município tem o nome de Alta Floresta. Mas em 2009 entrou na lista das 40 cidades que mais destruíam floresta. Tem seis mil nascentes, mas em 2010 ficou sem água. Foi o fundo do poço para a cidade no norte de Mato Grosso. A partir daí, começou uma luta por mudança de atitude. No Diário Oficial da semana passada, Alta Floresta conquistou algo com o qual vinha sonhando: saiu da lista dos 40 municípios que mais desmatam.

A cidade que tinha uma péssima história para contar hoje está orgulhosa. Fui abordada por jovens no Centro. Quando contei o motivo de estar ali, uma moça me disse: "O desmatamento não vai voltar." Essa mesma convicção eu constatei na visita ao pecuarista Rodrigo Arpini, que está refazendo a proteção do seu rio, replantando o que foi desmatado em sua propriedade e, ao mesmo tempo, conseguindo aumentar os bois no pasto:

- A conscientização do pecuarista daqui não tem como voltar atrás.

Arpini não é o único a ter essa noção. Das 4.180 propriedades rurais da cidade, 3.500 já têm hoje o Cadastro Ambiental Rural e avançam para outras etapas da regularização ambiental e fundiária. As grandes resistem mais.

A história da relação de Alta Floresta com a floresta é parecida, no início, com a de outras cidades da Amazônia. Primeiro foi o garimpo, depois a exploração da madeira, em seguida, a pecuária. Agora, a ameaça vem das hidrelétricas. Cada ciclo criou ondas de desmatamento. Em 2009, entrou na lista dos municípios que mais desmatam e então começou a perder recursos econômicos. Um grande empreendedor local iria conseguir um financiamento externo e perdeu o negócio. Outro problema ronda o município: a morte súbita de capim no pasto. A falta de água em 2010 acendeu a luz vermelha. O município estava numa lista suja, perdendo financiamento e investidores, com pasto degradado e ficando sem água.

Foi quando a prefeitura e a ONG Instituto Centro de Vida (ICV) iniciaram uma campanha junto aos produtores. Com técnicas de conciliação entre agricultura, pecuária e floresta, desenvolvidas pela Embrapa, produtores foram convencidos das vantagens de uma nova atitude.

A primeira providência da Secretaria de Meio Ambiente foi isolar e proteger as nascentes. A segunda foi reduzir a burocracia e o custo do cadastramento ambiental e rural. Nada disso é fácil. O desmatamento é rentável. O resto do Brasil paga caro pela madeira tirada ilegalmente da Amazônia. Desmatar dá lucro e tem mercado.

Outro município que visitei na Amazônia, para uma série de reportagens do Bom Dia Brasil e da Globonews, foi Sinop. Lá, foi chegar, ir ao Ibama e perguntar se havia novidade. Havia. Naquele dia, o órgão flagrara o maior desmatamento do ano, num município próximo chamado Feliz Natal. O proprietário é Alcides Neto, que tem outras fazendas na região. Nesta fazenda foi apanhado um correntão: 500 hectares já haviam sido derrubados, outros 500 estavam ameaçados.

Localizei o proprietário pelo celular. Ele não quis me encontrar, mas pelo telefone argumentou que tinha arrendado a área, e depois disse que era apenas uma limpeza de pasto. Ninguém limpa pasto com um correntão de 100 metros e 15 toneladas amarrado a tratores. E foi isso que o Ibama viu quando chegou.

O Ibama de Sinop é responsável por 30 cidades de dimensões gigantescas e tem menos de um funcionário por município. Evandro Selva, o diretor do órgão, acha que, por ter poucos recursos, precisa de estratégia. Por isso tenta sufocar o desmatador economicamente, desapropriando tratores e caminhões que encontra na cena do crime.

Desde o começo do ano o Ibama local embargou 7 mil hectares de terra, aplicou R$ 78 milhões em multas e apreendeu 41 tratores. O órgão tem feito doações permitidas em lei. Eu vi um trator sendo doado para a Funai. Será usado para que índios do Xingu façam aceiro, uma proteção da mata. Madeira derrubada ilegalmente está virando escola, hospital e até sede da Embrapa.

Aliás, o órgão lá tem o nome de Embrapa Agrossilvipastoril porque tenta conciliar os três. Tem vários projetos bem sucedidos, mostrando que, com recuperação de áreas desmatadas e uso da agricultura, a pecuária fica mais rentável. A bela sede da Embrapa, feita de madeira doada pelo Ibama, contrasta com o local apertado, cheio de infiltrações, onde funciona o Ibama.

A Amazônia é imensa, cheia de diversidades e contrastes. Repleta de histórias. O governo tem dito que o Brasil é um exemplo para os outros países porque reduziu a taxa de desmatamento.

Da Rio 92 até a Rio+20, o Brasil destruiu na Amazônia 328 mil quilômetros quadrados de floresta. Uma vastidão equivalente à soma dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Ainda temos a segunda maior taxa de desmatamento do mundo, depois da Indonésia. Difícil ter orgulho.

Entrei numa Sumaúma durante as gravações da reportagem. A árvore é enorme e a base do seu tronco se abre, formando verdadeiros cômodos. É perfeita para tempos de mudança climática: retém água nas cheias e a libera na seca. Essa específica Sumaúma fica numa mata perto de Alta Floresta. Tem 500 anos. Dentro do seu tronco, passando as mãos nas suas paredes internas me dei conta de que ela tem a idade do Brasil. Estar dentro daquela árvore é uma emoção que não posso, nem quero, esquecer.

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