domingo, junho 03, 2012

Apocalipse no bom sentido - LUIZ FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 03/06

Paris – Estão dizendo que este será um dos verões mais quentes da história no Hemisfério Norte e que o do Hemisfério Sul não ficará atrás. Também estão dizendo que estes podem ser os últimos verões da história, se as tais previsões do fim do mundo do calendário Maia se confirmarem. Os verões inéditos seriam os preâmbulos do Apocalipse – junto com o aumento na frequência de terremotos e tsunamis, o número anormal de meteoros que têm se aproximado ameaçadoramente da Terra como urubus prevendo as carcaças, e o sentimento generalizado de que algo está fora dos eixos no nosso velho e querido planeta. Se a atual primavera em Paris é uma amostra do que virá, estamos mesmo fritos, literalmente. Mas é preciso ver sempre o lado bom das coisas. Com o calor, as moças estão usando cada vez mais shorts, e shorts cada vez mais curtos. O caminho para o Apocalipse não será sem atrativos.

Longa estrada

Fomos ver o filme que o Waltinho Salles fez do On the Road, do Jack Kerouac. Li On the Road há muito tempo, mas acho que o filme é fiel ao livro – e este é o seu único grande defeito. Muita coisa não precisava ter entrado no roteiro, que ficou muito comprido e, às vezes, repetitivo. E a fidelidade do filme ao livro significa que quem nunca achou que o Kerouac merecia tanta atenção – como eu – também não vai achar que sua história merecia tratamento tão longo e reverencial. Kerouac, com seu estilo metralhadora datilografado em rolos de papel queria imitar na escrita a liberdade e a criação instintiva do jazz mas só acabou fazendo a apologia da espontaneidade, e a espontaneidade não é uma virtude literária. Acho eu. Mas fora tudo isto, On the Road é um belo filme.

Os 50

Costuma-se pensar nos anos 50 – quando se passa a história de Kerouac – como um período de paz e conformidade nos Estados Unidos, os aborrecidos anos dos governos Truman e Eisenhower, quando nada de muito importante parecia estar acontecendo. Na verdade foram anos de guerra quente (a da Coreia) e fria, do auge do macarthismo e do lançamento do Sputinik. Nada disto está no filme. Mas também foi a década da revolução cultural que significou o be-bop na música e o surgimento da geração “beat” da qual Kerouac fazia parte, e isto – junto com a nova mística da estrada aberta e da fuga constante pelas entranhas do país – está bem explícito no filme, cuja trilha sonora inclui várias intervenções do saxofonista Charlie Parker, mestre do novo jazz. 

Kerouac não foi a versão literária de Parker, ou de Lenny Bruce, outro revolucionário da época. Mas fez uma boa tentativa.

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