quinta-feira, maio 17, 2012

Exceção à velha regra - DORA KRAMER

 O ESTADÃO - 17/05


A citação do autor até desqualifica o tema, mas no marco da entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação é simbólica a frase do notório Delúbio Soares – “transparência assim é burrice” – sobre uma proposta discutida no PT em 2004 sobre a abertura das contas de campanhas eleitorais na internet.

Com todos os percalços, resistências, lacunas, dúvidas, atrasos, despreparos, enfim, dificuldades oceânicas a serem enfrentadas, nada invalida o valor da nova legislação.

Por mais complicada que se configure sua execução e ainda que seja muito demorada a sua efetiva inclusão nos meios e modos de o Poder se relacionar com o direito do público à informação, a nova regra por si já terá o condão de iniciar um processo de mudança no País.

Ficará mais difícil alguém ousar tratar o conceito de transparência como sinônimo de falta de inteligência, inépcia ou tolice com aquela falta de cerimônia de anos atrás, quando a argumentação foi suficiente para um partido aceitá-la e rejeitar a exibição de suas contas no curso do processo eleitoral.

Haverá obstáculos a atos como o do governador Sérgio Cabral Filho no ano passado quando recorreu ao Supremo Tribunal Federal para restringir o uso de requerimentos de informações do Legislativo ao Executivo por considerá-los “abusivos” e causadores de “embaraços” à administração.

No primeiro momento, a nova lei pode até não ser eficaz. E provavelmente não terá mesmo a eficácia pretendida no texto. Ambicioso, saudado por especialistas nacionais e estrangeiros por sua modernidade e abrangência, está a léguas de distância da realidade atual.

Mas sem a indicação do ideal não se pavimenta o caminho do possível. Correndo o risco de incorrer em excesso de otimismo, diria que agora mais importante que o tamanho do trajeto é o passo inicial.

Em muitos, senão na maioria dos países onde já existem legislações semelhantes, a prática mostra-se distinta da teoria em variados graus; em muitos deles os avanços ainda não são significativos comparativamente ao tempo de vigência da regra.

A enormidade do caminho a ser percorrido, o desafio de fazer acontecer é enorme e fundamental, mas na essência menor que a magnitude da mudança de concepção proposta.

Inverte-se, por ela, a noção de que o Estado é dono soberano absoluto da informação e que a torna disponível ao cidadão quando e se achar conveniente. Como se fizesse um favor. Essa regra, pelo que está escrito na lei, torna-se a partir de agora a ser obrigatoriamente vista como exceção.

A sociedade passa a deter de fato o direito sobre as informações das quais o Estado, fica entendido, é mero guardião. Despido do monopólio do conhecimento e desprovido da prerrogativa da ocultação.

Assim é. No diálogo entre a presidente da República e os prefeitos que pediam uma posição dela sobre as novas normas para distribuição dos royalties do petróleo viu-se algo que transcende à vaia, manifestação algo mal-educada, mas aceitável como expressão de desagrado coletivo.

Merece destaque no episódio a recusa do recurso fácil da demagogia por parte de governante, artigo raro no Brasil.

Perguntada sobre uma questão, Dilma Rousseff não maquiou a resposta: avisou aos prefeitos que a norma ainda em exame no Congresso não será retroativa. Os interessados, portanto, que tratem de lidar com o cenário adiante deixando de lado o “pratrasmente” (expressão de Dias Gomes na voz de Odorico Paraguaçu, não de Dilma).

Quem costumava se apresentaras-sim à conversa madura com reivindicantes era Mário Covas. Inaugurou a prática quando prefeito de São Paulo, nos idos dos anos 80. Dizia sem rodeios o que podia ou não podia ser atendido.

A elogiável franqueza da presidente, no entanto, não a exime de enfrentar o tema da distribuição dos royalties sem mais adiamentos e com capacidade de composição de interesses tendo em vista o equilíbrio federativo.

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