terça-feira, maio 29, 2012

A Espanha sob ataque - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 29/05


A imprensa espanhola não vacilou em definir o dia de ontem como "segunda-feira negra". Nem foi tanto pela queda das cotações da Bolsa de Madri (2,17%), mas pelo salto dos juros.

O valor dos títulos soberanos da Espanha caiu a seu nível mais baixo desde setembro do ano passado. O rendimento (yield) avançou para 6,5% ao ano, já mais próximo do nível que os analistas entendem ser o limiar da insustentabilidade (7% ao ano).

O presidente do governo, Mariano Rajoy, veio a público, em entrevista não programada, para dizer duas coisas: (1) que não pediria recursos oficiais à área do euro para socorrer os bancos espanhóis; e (2) que os dirigentes do bloco têm de dirimir de uma vez as dúvidas sobre seu futuro. "Precisamos de declarações claras em defesa do euro e da sustentabilidade das dívidas da zona do euro", disse.

A declaração de Rajoy que dispensou recursos da área do euro para capitalizar os bancos espanhóis não teve o efeito pretendido. Entre correntistas e aplicadores espanhóis cresceu o medo de que seja inevitável a saída da Grécia do euro. Isso não só acentuaria a corrida aos depósitos dos bancos gregos, mas também exporia a fragilidade dos bancos espanhóis, sobretudo do Bankia (4.º maior), da CatalunyaCaixa (8.º), da NovaCaixaGalicia (11.º) e do Banco de Valência (17.º).

Até 2007, todo o sistema bancário espanhol tirou proveito de alto volume de recursos a juros baixos e o reemprestou para o público e para as empresas - que têm prazos muito esticados para retornar (créditos hipotecários). Se, por medo da quebra dos bancos, o aplicador que forneceu os recursos corre aos resgates, esses volumes não estão nos bancos.

Pois é essa corrida que parece ter começado. Nessas condições, autoridades não podem vacilar. Um fio d'água pode se transformar num jorro e, em seguida, em estouro da represa.

Esse movimento já exige transfusões maciças de recursos para os bancos espanhóis, hoje calculados entre 60 bilhões e 70 bilhões de euros. Rajoy quer reforçar o capital dos bancos não com dinheiro vivo, mas com títulos. Se for isso, o Tesouro espanhol, já atolado em dívidas, terá de recorrer a mais endividamento para socorrer seus bancos. E essa é a principal razão pela qual os juros estão disparando.

Em outras palavras, o efeito contágio pode estar rondando a Espanha - ou mesmo ter começado. Caso a corrida aos depósitos não seja estancada com determinação (e não só com retórica), a operação de socorro não ficará em apenas uma centena de bilhões de euros, mas em muitas.

Ainda que seja atendido o apelo de Rajoy para que as maiores lideranças do euro se pronunciem sobre o futuro do bloco, não é certo que o jogo possa virar. Depois de tudo o que já foi dito e repetido, não serão mais simples discursos, mesmo enfáticas, que mudarão a situação atual. Princípio de pânico se ataca com ação; não com palavras.

Rajoy bem que gostaria de que o resgate dos bancos espanhóis fosse feito com recursos de fundos especiais da área do euro (para não pressionar demais a dívida). Mas, se for acolhido, ficará definido sério precedente. Mais governos passarão a ter direito à mesma água. E, aí, o risco de que venha a faltar será grande.

Por outro lado, entre as distorções que a crise vai mostrando está a de que não faz sentido que um bloco que compartilhe moeda única continue tendo bancos nacionais.

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