terça-feira, maio 29, 2012

Divórcio à vista - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 29/05


Depois de o senador Demóstenes Torres se transmutar de arauto da moralidade pública em ajudante e conselheiro de um contraventor, até dos benfeitores os cidadãos desconfiam
Quando presidente, Lula agia para tirar fôlego de eventuais adversários ou pré-candidatos dentro da base de seu governo (hoje, ele parece agir para tirar o Supremo Tribunal Federal do pé do PT no caso do mensalão). A presidente Dilma Rousseff, entretanto, não parece adotar a mesma atitude, seja no caso do mensalão, sobre o qual ainda não se pronunciou, seja para afastar adversários. 
Nos últimos dias, cresceu dentro do PDT a sensação de que, ao fazer de Brizola Neto ministro do Trabalho sem qualquer consulta ao manda-chuva do partido, Carlos Lupi, Dilma abriu uma avenida para que os pedetistas liderados por Lupi busquem um candidato a presidente. 
Lupi é até hoje, passado um mês da nomeação de Neto para o ministério, um pote até aqui de mágoas. Ele não se esquece de 2006, quando o seu partido queria em parte apoiar Geraldo Alckmin e ele interveio inclinando o PDT para a campanha pela reeleição de Lula. O ex-presidente, agradecido, fez do pedetista ministro do Trabalho. Em 2010, Lupi fez questão de anunciar o apoio à candidatura de Dilma antes de o PT abraçá-la oficialmente. Continuou ministro no governo dela até ser extirpado por conta das denúncias. 
Abandonado por Dilma, o mesmo Lupi que disse “Dilma, eu te amo” transformou o PDT num partido em busca de um candidato a presidente. Coincidência ou não, ele se aproximou muito do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que já foi candidato a presidente da República contra Lula. E hoje é da ala dos independentes. 

Por falar em independente...Lupi, entretanto, tem dúvidas quanto à candidatura do senador. Prefere alguém, digamos assim, mais “lutador”. Eis que surge no horizonte, o ex-deputado Ciro Gomes, do PSB. Se o PDT é uma legenda em busca de um candidato, Ciro é um potencial em busca de um partido. E sabe que, dentro do PSB, a primazia de uma candidatura a vice-presidente ou mesmo ao Planalto está hoje nas mãos de Eduardo Campos, governador de Pernambuco. Por isso, não se surpreendam se Ciro terminar, passada a eleição municipal, filiado ao PDT de Carlos Lupi. Se Lula não entrar em campo para tentar segurar essa formatação, ela virá. 

Por falar em Lula...Essa história de o ex-presidente procurar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes para tratar do processo do mensalão só deixa a sociedade mais distante dos políticos. Afinal, para que serve um ex-presidente? Nos Estados Unidos, eles montam ONGs, saem dando palestras pelo mundo afora. São inclusive impedidos de serem candidatos novamente. Ficam assim, meio como oráculos a serem consultados quando a situação fica difícil, seja no partido, seja no país. 
Aqui, a coisa não funciona assim. Ex-presidente da República vira comandante do Senado, vide José Sarney. Ou pior: um ex-presidente afastado do cargo por um processo de impeachment — ou renúncia no último segundo, quando o processo já corria no plenário —, termina como integrante de uma CPI. Dentro do colegiado, Fernando Collor já deixou clara a sua intenção de vingança perante todos aqueles que cassaram seu mandato ou que, na visão dele, tiveram alguma participação contundente para levar àquele desfecho.
Talvez esteja nessa vingança sem fim de Collor o próprio Congresso, hoje meio que divorciado da sociedade brasileira. Aliás, leitor, se levarmos ao pé da letra, está tudo muito esquisito. Depois de o senador Demóstenes Torres se transmutar de arauto da moralidade pública em ajudante e conselheiro de um contraventor, até dos benfeitores os cidadãos desconfiam. A sorte de Dilma hoje é que no imaginário popular ela paira distante da política, onde separações e traições são constantes, e aparece cada vez mais perto da sociedade. 

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