segunda-feira, março 26, 2012

Voz no deserto - LYA LUFT

REVISTA VEJA


Nunca fui muito ligada em futebol, mas sempre me agradou o entusiasmo masculino por ele na minha casa, desde quando meu pai ouvia jogos e torcia nas tardes de domingo, no rádio (não, não havia televisão na minha infância, para espanto de um de meus netos quando bem pequeno, provocando-lhe a deliciosa pergunta: "Mas não tinha dinossauro, né, vovó?"). Com o tempo e o convívio, acabei apreciando, mesmo sem entender aquele jogo com termos e regras enigmáticos.

Essa introdução é para dizer que me causaram admiração e tristeza os comentários do agora deputado Romário sobre o Congresso, a Copa e outros temas. Porque ele, político estreante, teve a coragem, e porque tudo me pareceu tão evidente, e tão corajoso neste nosso teatro de invenções e negação da realidade. Animou-me um deputado comentar que ali no Parlamento poucos de verdade trabalham; que muito do que se anuncia sobre a Copa é bastante improvável; e que há perigo de também nela acontecerem propina, desvio de dinheiro, o circo habitual. Entristeceu-me que tão poucas pessoas reagissem, e que coubesse a ele, jogador de futebol, e deputado novato, botar em palavras, publicamente, o que muitos de nós percebemos, com maior ou menor entendimento e lucidez, mas não fazemos nada. Por que não formamos um grande coro? Porque temos receio de críticas ou preferimos desviar o rosto e os olhos e fechar a boca? As recentíssimas denúncias sobre propina em entidades públicas ligadas a hospitais e licitações são de estarrecer. A naturalidade com que, entre nós, se cometem tais atos ilegais é espantosa. Ou eu estou fora do esquadro, faço parte do pequeno bando anônimo que ainda se assombra?

Sei que os governantes que querem o bem deste povo, deste país, dos estados, municípios, podem ainda nos salvar. Sem a pretensão de ensinarmos ao mundo, de sermos melhores que americanos ou europeus, mas tentando ser o melhor que nós aqui podemos ser. E certamente é bem mais do que estamos sendo, com péssimos transportes, educação insuficiente e confusa, ideias mirabolantes, saúde um susto, primeiros consumidores começando a ficar inadimplentes porque o estímulo ao consumo pode agradar de um lado mas prejudicar de outro.

Não digam que sou pessimista: seria simples demais. Nem digam que sou contra governos ou partidos: seria preconceituoso. Na verdade não tenho partido, acho mesmo que existem raros partidos no velho sentido da palavra, siglas permanentes, seguidores fiéis, ideologia coerente, sensata e firme. Eu apenas observo. Leio. Escuto. Assisto a noticiosos. Interpreto voz, entonação, semblante dos que por nós falam: não sou nem otimista nem negativa, quero apenas que tudo finalmente tome um rumo, firme, coerente, realista e eficiente. Sem tanta gente ainda morrendo em hospitais ou emburrecendo nas escolas por falta de bons profissionais e ótimos projetos. Projetos realizáveis, não impossíveis, não tentativas aleatórias com nossas crianças, jovens, velhos, operários, intelectuais, estudantes, garis, domésticas, agricultores, médicos, engenheiros, trabalhadores de qualquer ramo.

Que a gente não fique na utopia de que vamos ensinar os países mais adiantados, porque, repito, ainda não conseguimos encaminhar nossos próprios projetos, resolver alguns dos mais graves problemas deste povo que precisa tanto e muitas vezes nem sabe disso. Imagino a dificuldade dos bons governantes para mudar os rumos do que nos deixou fragilizados. E acho que nós, os cidadãos comuns, poderemos ajudar, se não aceitarmos fatos ruins como coisa natural, não acreditarmos em promessas nem em exigências absurdas, se cumprirmos com excelência nosso dever de cada dia, que inclui trabalho, cuidado com a família, honradez e patriotismo – cada um dentro de suas possibilidades. O que realmente estou querendo dizer é que, num deserto de ideias lúcidas e opiniões honradas, a gente precisa tentar, com amor e coragem, abrir caminhos, portas, janelas, e ajudar a mudar as coisas que podem ser mudadas.

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