domingo, março 04, 2012

MBA Daslu - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 04/03/12
Crias de Eliana Tranchesi, as dasluzetes contam como foi a formação em um cargo mais disputado "do que ser paquita" e o que as fez se espalharem como "corintiano" pelo mercado

Em um rápido passeio pelo shopping Cidade Jardim, templo paulistano do consumo de luxo, elas encontram várias colegas dos tempos áureos da Daslu. Ao entrar no elevador, três ex-dasluzetes, como são conhecidas as vendedoras e auxiliares da empresária Eliana Tranchesi, dão de cara com uma modelista da época da Vila Nova Conceição, berço da multimarcas em São Paulo.

No reencontro, a jovem conta que abriu uma empresa e desfia a lista de grifes que atende. "Ex-Daslu virou corintiano. Está em todo lugar", afirma Julia Maringoni à repórter Eliane Trindade. Ela passou dez dos seus 30 anos como vendedora na loja, ícone de glamour, mas também símbolo de sonegação fiscal.

A frase da ex-dasluzete sintetiza a diáspora da turma. A própria Ju, como é chamada, saiu da Daslu em abril do ano passado. Hoje, está à frente da operação brasileira de duas marcas internacionais: Pucci e Jimmy Choo.

No hospital onde morreu no último dia 24, aos 56 anos, a antiga dona da Daslu comentara com Monica Mendes, uma de suas ex-pupilas, o quanto estava "proud" (orgulhosa) do sucesso de suas "meninas". "Muitas pessoas aprenderam muita coisa com a gente e hoje podem trabalhar nessa área fora da Daslu", disse Eliana.

Nos últimos seis anos, a empresária lutou contra um câncer e viu seu império, que chegou a faturar R$ 200 milhões por ano, mudar de mãos em meio ao escândalo fiscal que lhe rendeu condenação, em primeira instância, a 94 anos de prisão.

Ter trabalhado com Eliana é o currículo de profissionais que levam o conceito criado por ela mercado afora. "Daslu virou escola e celeiro de capacitação. É o grande legado de Eliana Tranchesi", afirma Carlos Ferreirinha, da MCF Consultoria.

Mesmo com a recuperação judicial e a venda ao grupo Laep, o consultor diz que dez entre dez shoppings querem uma Daslu para chamar de sua. "Eliana e seu modelo de negócio conseguiram decifrar com propriedade o comportamento do consumo de alta renda no Brasil."

Nesse contexto, o passe das dasluzetes está em alta. A Chanel contratou Cicila Street (52 anos, 25 de Daslu). Valentino abre a primeira loja em SP no segundo semestre tendo à frente Patrícia Bagattini (29 anos, 12 de Daslu).

Elas reconhecem ter uma mesma credencial. "Trabalhar na Daslu foi uma faculdade melhor do que a Parsons", diz Cicila, em referência à escola americana de moda e design. "Eliana me deu a oportunidade de ir a todos os fashion weeks e visitar os showrooms das mais importantes grifes internacionais. Que outras pessoas no mundo tiveram esse privilégio?"

Além do know-how, as dasluzetes, com seus sobrenomes de peso, eram peças-chave de um serviço criado à imagem de Eliana.

Patrícia, que cursou a Parsons, diz que fez um "MBA Daslu". "Na faculdade, aprendi o lado artístico da moda; na Daslu, o que é o business, a ser comercial e a conhecer a clientela", compara Patinha, apelido dado por Eliana para diferenciá-la das várias Pats da loja.

"Cada uma seguiu seu rumo. Eu fiquei na Daslu", afirma Patrícia Cavalcanti, diretora de marketing na nova fase. "Somos as verdadeiras guardiãs do legado da Eliana. O conceito criado por ela sobreviveu à crise e vai sobreviver à morte dela", emociona-se Pat C, 44, 21 anos de dasluzete.

Já outras crias de Eliana abriram negócios próprios, como Fernanda Kujawski, 32, dona da grife FK, e Helena Sicupira (herdeira da Ambev), da Etoiles. Nesta quarta, o estilista Sandro Barros, 35, que assinava a alta-costura da butique, inaugura ateliê nos Jardins, em sociedade com Renata Queiroz de Moraes, herdeira da JFernandes Construtora e sua antiga cliente.

A mini-Daslu de Sandro vai ocupar uma "maison" de dois andares e venderá vestidos de noiva e festa de até R$ 60 mil. "Vamos oferecer os serviços aos quais minhas clientes estão acostumadas."

E as técnicas de sedução na Daslu eram imbatíveis. "Cansei de arrumar armário de cliente. Entrava na intimidade delas, decorava o que cada uma tinha tinha no closet para oferecer os novos produtos e montar os looks", diz Ju Maringoni.

As dasluzetes levam uma vantagem competitiva no balcão. "Frequentamos o mesmo círculo das nossas clientes", afirma Tatiana Monteiro de Barros, vendedora por quatro anos. Ela virou representante da La Perla no Brasil, primeiro em um "corner" na Daslu e depois com loja própria.

Com a abertura das importações no governo Collor, a primeira leva de dasluzetes fez a festa. A multimarcas chegou a ter 150 grifes estrangeiras nas araras. Reza a lenda que uma delas chegou a vender R$ 1 milhão no mês. E teria ganhado R$ 30 mil entre salário e comissão.

A remuneração e as viagens por Nova York, Milão e Paris faziam o posto ser cobiçadíssimo. "Uma conhecida disse que ser dasluzete era mais difícil que ser paquita", conta Ju Maringoni. Na "Dasluland", a rainha Eliana era tão admirada e temida quanto Xuxa. "Ela era uma espécie de celebridade do conceito que criou. Todo mundo que vinha à Daslu queria dar uma palavrinha e tirar uma foto com ela", recorda-se Cicila.

Na "Disneylândia da moda", como Eliana definiu seu reino, as broncas e as cobranças de meta eram feitas em bilhetinhos com coração. "Diziam que era muita mulher junta, muita fofoca. Nada disso. Criamos uma grande família", diz Fê Kujawski.

As escolhidas de Eliana tinham que se "virar nos 30". Arrumavam estoque, ajudavam nos desfiles e até faziam manicure uma da outra nas viagens. "Nos sentíamos também donas da Daslu", diz Ju. Os donos do negócio hoje são outros. E as meninas viraram concorrentes em um jogo de R$ 26 bilhões que o mercado de luxo no Brasil movimenta a cada ano. Agora, é cada dasluzete no seu "corner".

Ex-Daslu

Onde estão algumas das crias de Eliana Tranchesi

Cicila Street
ex-diretora da multimarcas, foi para a Chanel brasileira

Sandra Toscano
saiu da Daslu Homem para a Bottega Veneta

Patrícia Bagattini
ex-compradora de importados, foi para o grupo Valentino

Ricardo Minelli
ex-diretor da Daslu Homem, é CEO da Giorgio Armani no Brasil

Donata Meirelles
braço direito da empresária, virou diretora de estilo da 'Vogue'

Julia Maringoni
ex-vendedora, está à frente da Jimmy Choo e Pucci no Brasil

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