terça-feira, março 27, 2012

Falta combinar com os russos - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 27/03/12

Antes de se lançarem a coordenar a economia global, os cinco precisam coordenar-se entre si



NOVA DÉLI - Bem que avisa Peter Draper, pesquisador sênior do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais: "Os Brics podem ser uma grande força no gerenciamento de mudanças estruturais na política econômica global, mas, antes, eles têm que gerenciar suas próprias diferenças internas".

A quarta cúpula do grupo formado por Brasil, Índia, Rússia, China e África do Sul, que começa amanhã, é a prova da correção da frase. Trata-se de mais um ensaio do projeto Brics, que é "pura e simplesmente desafiar a posição privilegiada da comunidade do Atlântico Norte e de seu aliado oriental, o Japão, no gerenciamento da interdependência global", para Nitin Desai, ex-subsecretário-geral da ONU.

Mas o ensaio colide com as diferenças internas. É o caso, por exemplo, da proposta de criação de um banco de investimento dos Brics, uma espécie de BNDES do grupo. Seria um contraponto ao Banco Mundial, sempre acusado de ser excessivamente controlado pelos EUA.

O ministro chinês do Exterior, Yang Cheji, já fez saber a seu colega Somanahalli Krishna que a China quer presidir o eventual futuro banco, contrariando a proposta da Índia de presidência rotativa.

O Brasil, por sua vez, acha que uma presidência chinesa transformaria o banco em instrumento de sua política econômica, o que não interessa ao Brasil.

É uma visão coincidente com a de Sreeram Chaulia, vice-reitor da Escola Jindal de Assuntos Internacionais (Índia): "O problema de a China se transformar em outra Alemanha, isto é, um super-Estado que controla a agenda financeira dos Brics assim como Berlim domina a União Europeia, precisa ser gerenciado de forma a forçar Pequim a aceitar um compromisso".

A criação do banco, que a Índia chegou a dar como certa na cúpula, se transformará apenas em grupo de trabalho para estudá-lo.

Vale idêntico raciocínio para outra proposta, a de um acordo para a concessão de empréstimos em yuan, a moeda chinesa, para os parceiros do grupo.

Parece uma iniciativa simpática, mas "é importante lembrar que os empréstimos chineses vêm atados a condicionamentos", diz Samir Kapadia, pesquisador do Conselho Indiano de Relações Globais.

O Brasil já sentiu o peso dos condicionamentos: a Vale recebeu, em 2010, empréstimo chinês de US$ 1,23 bilhão para a construção de 12 cargueiros. Aceitou que fossem fabricados na China, para ira do então presidente Lula, na esperança de que os chineses retribuíssem com a permissão para que os navios transportassem grandes quantidades de minério de ferro para a China.

A primeira tentativa fracassou, por pressão das concorrentes chinesas, uma delas a poderosa estatal Cosco.

O tema ainda está em negociações entre os dois governos.

Como estão em negociação, entre os cinco, os termos da declaração final de Nova Déli sobre a Síria.

São essas diferenças internas que levam Jagannath Panda, pesquisador do Instituto Indiano para Estudos e Análises de Defesa, a dizer que "coordenar políticas não será fácil, dado que os interesses políticos dos Brics colidem em vários níveis".

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