quarta-feira, março 07, 2012

Do 'tsunami monetário' ao protecionismo - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/03/12

Há uma regra na vida pública brasileira pela qual mazelas internas têm sempre causas externas, enquanto boas notícias no front doméstico são explicadas pelas virtudes administrativas do governo de turno. O complicado cenário da economia mundial tem permitido reações típicas desta antiga norma. A mais recente é a denúncia feita pela presidente Dilma Rousseff, antes de embarcar para a Alemanha, da existência de um "tsunami monetário" provocado por países desenvolvidos, causa da enorme liquidez no mundo, fonte de problemas cambiais para países emergentes, entre eles o Brasil. A enxurrada de divisas valoriza as moedas nacionais, e com isso esmaga a competitividade externa dos países hospedeiros dos recursos.

O problema existe, de fato. E não começou agora. Ele vem do fim de 2008, quando, com o estouro violento da bolha imobiliária americana, o banco central dos EUA (Fed) foi forçado a praticar agressiva política monetária, para evitar um catastrófico derretimento do sistema bancário americano - portanto, mundial. Especialista, na vida acadêmica, em estudos sobre a Grande Depressão, da década de 30, o presidente do

Fed, Ben Bernanke, evitou erros cometidos naquela época, jogou os juros básicos ao chão e fez algumas operações nada ortodoxas cujo resultado prático foi emitir dinheiro e cortar as taxas também de longo prazo (relaxamento monetário).Assim,evitou uma temida depressão. O preço apagar foi o excesso de liquidez mundial. O eixo da crise mudou para o outro lado do Atlântico, o projeto do euro vergou na falta de alguma uniformidade de política fiscal no bloco, países quebraram e passaram a ameaçar o sistema bancário europeu, por inevitável. Afinal, os títulos das dívidas grega, espanhola, italiana, portuguesa etc. estão nos cofres dele. Assim, apesar de toda ortodoxia alemã, o BC europeu teve de atuar à semelhança do Fed e injetar muito dinheiro em circulação. De dezembro para cá, em empréstimos de custo ínfimo a bancos, mais de G 1trilhão. O sistema, como o americano, continua de pé - ainda bem -, mas parte dos recursos, diante de um quadro de alta desconfiança e risco, aporta em países como o Brasil. E Dilma reclama da "tsunami". Certo,mas seria pior se houvesse uma quebra bancária. Na verda de, americanos e europeus, com esta política monetária agressiva, "compram tempo". evitam um mergulho recessivo mais profundo,enquanto esperam a diluição da montanha de débitos e necessários ajustes fiscais nos deve-dores. Nos Estados Unidos, começa a funcionar.

Ao denunciar a onda gigante de liquidez, Dilma teve de ouvir da chanceler alemã, Angela Merkel, uma referência ao protecionismo, praicado ultimamente pelo Brasil com alguma alegria em Brasília. Ora, voltando às lições da década de 30, foi o erguimento de barreiras ao comércio, enquanto a economia desacelerava, que aprofundou a recessão transformando-a em depressão. O Brasil, inclusive, se arrisca a ser penalizado na Organização Mundial do Comércio (OMC), na taxação unilateral da importação de veículos, por exemplo.

Seria imperdoável indelicadeza diplomática se Merkel lembrasse que seu país, há muito tempo, ao perceber perda de competitividade para o Leste da Europa, China e outros asiáticos,cumpriu o dever de casa e reduziu o Custo Alemanha. O Brasil pouco ou nada fez.

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