quinta-feira, março 01, 2012

A campanha impera - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 01/03/12

O peixe era o símbolo primitivo usado pelos cristãos. Talvez por isso, como ministro da Pesca, Crivella ajude a evitar que parte dos evangélicos façam coro contra Fernando Haddad em São Paulo

Para resolver um problema do PT, o jeito foi sacar um ministério do partido. O anúncio do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) como ministro da Pesca foi lido por muitos como o ingresso da presidente Dilma Rousseff nas articulações em prol da campanha de Fernando Haddad para prefeito de São Paulo. A ordem da nomeação é tentar evitar que a campanha paulistana, nacionalizada pelo ingresso de José Serra, repita o que houve em 2010.

Para você que não acompanhou, ou já esqueceu, vale lembrar que, no segundo turno de 2010, a campanha presidencial tomou ares de cruzada religiosa. Pela internet, ecoavam blogs e correntes de e-mails tentando apresentar a então candidata Dilma Rousseff como favorável ao aborto e contrária às mais diversas manifestações de religiosidade. Nunca se viram tantas visitas de candidatos a igrejas em período de campanha como ocorreu no segundo turno daquela sucessão presidencial.

Não por acaso, Dilma esteve, em 11 de outubro, na festa da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, na Basílica de Aparecida, no interior de São Paulo, acompanhada do candidato a deputado federal Gabriel Chalita (PMDB) — hoje também pré-candidato a prefeito de São Paulo. No dia da santa, 12 de outubro, foi a vez de José Serra fazer o mesmo caminho acompanhado do governador Geraldo Alckmin. Dilma foi ainda a igrejas em Minas e ao batizado do neto Gabriel, em Porto Alegre. Serra, por sua vez, beijou uma santa. Sua mulher, Mônica, saiu de Aparecida com uma réplica da pedroeira para levar aos mineiros chilenos que ficaram soterrados por mais de um mês. Isso sem contar uma carta contra o PT pregando votos contra a candidata.

Por falar em pregação...
O maior receio dos petistas hoje é o de que a mesma campanha ocorra em São Paulo. Os primeiros sinais de que isso pode ocorrer vieram justamente dos evangélicos, que, em sites ligados às igrejas pentescostais, começavam a falar novamente no material que ficou conhecido como "kit gay" — os vídeos que o Ministério da Educação havia recebido para avaliar se poderiam ser usados numa campanha contra a homofobia. Esses vídeos terminaram nas mãos de pastores que exibiram o material no Congresso. O Ministério da Educação passou um bom período explicando que não pretendia distribuir o material nas escolas, mas o estrago político à época foi grande. E agora grupos evangélicos se preparam para reavivar essa polêmica na campanha paulistana. E, no meio desse tumulto, Crivella vira ministro da Pesca.

É ingenuidade imaginar que a simples nomeação do senador Marcelo Crivella para ministro da Pesca vá estancar esse viés religioso na eleição paulistana. E também não foi só por isso que ele virou ministro. Mas essa pitada de sal contou na hora de receitar a nomeação. Há, no governo, quem diga que Crivella pode, pelo menos, evitar que parte dos evangélicos façam coro contra Fernando Haddad. Amortecer os estragos. O senador é aplicado, habilidoso e discreto do ponto de vista político. Tudo o que o PT precisa para o momento. Se ele entende ou não de Pesca, virou apenas um detalhe. E não dá para esquecer que o peixe era o símbolo primitivo usado pelo cristianismo.

Por falar em eleição paulistana...
Só o fato de o PT não soltar os cachorros em cima do Palácio do Planalto ao perder um ministério deixa transparecer que a ação foi coordenada em nome de um projeto maior, a eleição paulistana. Tanto é que, tão logo os congressistas foram avisados da nomeação de Crivella — e das conversas de Dilma Rousseff com o PR e o PDT —, as votações do Fundo de Previdência dos Servidores Públicos prosseguiram sem muitos sobressaltos. Parece que, no momento, os petistas entenderam que o melhor a fazer é mergulhar. Nem da guerra do Banco do Brasil eles falam mais abertamente. Pelo visto, o ingresso de José Serra provocou mais movimentos do que possa parecer. E talvez até a manutenção da prévia tucana seja um fator que preocupa o PT. Afinal, Serra estará no centro das atenções pelas próximas três semanas, período em que Dilma deve trocar outros ministros. Mas, como ela disse que não entrará na campanha, leitor, vamos tomar essas atitudes como "mera coincidência".

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