segunda-feira, março 26, 2012

Caminho equivocado - HEITOR BASTOS TIGRE


O Globo - 26/03/12


Lamentável a decisão do governo brasileiro de dificultar o ingresso de espanhóis. Se as autoridades migratórias da Espanha fazem o mesmo em relação aos brasileiros, sem dúvida esse é um problema sério, que deve ser enfrentado, mas a solução não virá pelo emprego de políticas de retaliação que agora o Brasil pretende impor.

Fechando nossas fronteiras para espanhóis de todas as idades e origem, em nada responsáveis pelo tratamento de que temos sido vítimas, não vai melhorar esse embate. Sem dúvida temos outros meios de abordar o problema. E se, porventura, nossa diplomacia não sabe como enfrentar uma crise tão diminuta, com diálogo e compromisso recíprocos, devemos reconhecer que já fomos mais criativos.

Os laços com a Espanha são muito intensos. Nos últimos 150 anos vieram para o Brasil quase 800 mil espanhóis. Gente brava, corajosa, destemida; educada; uma grupo social que hoje representa aproximadamente 10 milhões de brasileiros de origem espanhola! Estão em toda parte: nos bancos, nas indústrias, no comércio, nos serviços públicos, nas casernas, no Congresso Nacional, e até mesmo na diplomacia. Misturaram-se: agora já não são bascos, galegos, andaluzes, catalães - são nossos tios, primos, sócios, amigos, vizinhos, patrões. Companheiros na luta diária pela sobrevivência. Pois, então, é essa a gente que queremos maltratar, quando pedirem para ingressar no Brasil?!

A vinda maciça de espanhóis teve início na segunda metade do século XIX. Primeiro, uma mão de obra rústica, para trabalhar nas fazendas de café; mais tarde, já no século XX, deu-se início a um fluxo migratório de trabalhadores mais qualificados, com foco na indústria. Aos poucos, foi se criando uma comunidade espanhola. Sem dúvida, temos uma dívida com essa gente, que nos deu suor, lágrimas e sacrifício, sem o quê não se gera crescimento e nem se produz riqueza.

Pois bem, agora no século XXI, que mal fez ao Brasil a nova leva de espanhóis? É gente simples e honesta, que certamente não contribuiu para a elaboração da política oblíqua, que impõe critérios rigorosos na seleção dos brasileiros que podem e que não podem desembarcar. Estes que por aqui atracam estão apenas seduzidos pelos nossos encantos, hospitalidade, música... pelo carnaval; talvez também sintam-se atraídos pelas nossas riquezas; talvez estejam à procura de uma nova vida. E daí? Que mal há nisso? São aspirações legítimas. Mas nossas autoridades, incapazes de encontrar uma solução, e reconhecendo o fracasso das negociações que conduziram sem muita inspiração, dizem que agora o governo vai aplicar a "lei da reciprocidade".

Ora, não existe essa lei. Figura apenas no imaginário de quem, na falta de envergadura para mudar a política espanhola de imigração, que, em relação aos brasileiros, vem efetivamente endurecendo, adota um comportamento igualmente violento e discricionário, que, se for levado a cabo, só irá prejudicar pessoas simples e corretas que, se pecaram, foi por terem nos prestigiado com sua escolha de visitar o Brasil.

Até a data estabelecida (2 de abril) para a aplicação de um padrão seletivo, confio que o governo consiga elaborar soluções mais próximas da cadência de um samba, do que de uma sinistra tourada.

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